Capítulo 64 - Cavalgando o relâmpago

Assim que as grandes e pesadas portas abriram-se, Icelo e Dante se depararam com algumas dezenas de demônios que lá desempenhavam varias funções, desde tortura ate a segurança do lugar.

Ao vê-los a reação de Dante foi de imediatamente se preparar para atacar, mas foi detido por Icelo, que chutou a parte de trás da sua perna, fazendo-o cair de joelhos.

Saiam da minha frente escória imunda, este é um preso especial, uma entrega para o mestre de vocês, Lord Asmodeus. – disse Icelo

O que você esta fazendo? – perguntou Dante

– Improvisando, não se preocupe eu sou bom nisso, consigo ser bem realista.

Icelo deu um soco no rosto de Dante fazendo-o cair no chão, em seguida o chutava para que se levantasse.

Por que ele esta livre? – questionou um dos demônios

A resposta não é obvia, ele é um ser defeituoso, só possui um braço, acha que eu devo temê-lo? Que um anjo será derrotado por isso? – disse Icelo

Antes de continuar avançando com Dante, ele recuou e voltou ate o demônio que o havia feito a pergunta. Ordenou que ele se curvasse e em seguida fez os outros demônios o espancarem. As diabólicas criaturas se divertiam com aquilo, poder humilhar e atacar a um dos seus.

Depois de alguns minutos, que devem ter parecido uma eternidade para aquele que estava sendo surrado, Icelo ordenou que parassem. Calmamente caminhou ate o demônio, que agonizava no chão devido aos golpes, colocou o pé sobre a cabeça dele e disse de modo alto e claro, sabia que todos o ouviam e prestavam atenção nele.

Isso é o que acontece com aqueles que ousam me questionar. – disse Icelo de modo sério

Então ele pegou em Dante e seguiram avançando pela prisão, os demônios agora abriam caminho para eles, mostrando temor e reverência por Icelo, baixando a cabeça quando ele passava.

Em momentos como esse Dante não podia evitar também se sentir um pouco assustado, toda aquela conversa, aqueles modos de bobo alegre contratavam com explosões de fúria e demonstrações de poder que assustavam ate as criaturas do inferno.  

Icelo certamente tinha força para ser um dos principais do inferno, um dos mais elevados governantes, então o que o teria se exilado no mundo dos sonhos?

Eu sei que sou fascinante, provavelmente a melhor de todas as criações do bom Deus, mas sugiro que mantenha seu foco no que viemos fazer aqui, ao invés de se preocupar comigo e com as minhas motivações. Quem sabe você ate consiga descobri-las se viver um pouco mais. – disse Icelo

O alerta fez Dante voltar a se concentrar, lembrar onde estava e qual era o seu objetivo. Não, talvez fosse exatamente o oposto, a mente de Dante o fazia se desviar e pensar em outras coisas para não ter de rememorar tudo que aconteceu naquele lugar.

A cada passo que davam, quanto mais avançavam naquela prisão mais os gritos se intensificavam, ficavam tão altos que era pareciam capazes de estourar os tímpanos, as vozes se juntavam em uma grande lamentação, um hino de horror que continua maldições e súplicas, anelos por um fim a tudo aquilo, algo que nunca teriam.

Não deixe seus ouvidos o enganarem, existem aqui ecos e ate mesmo gritos produzidos especialmente para você. – disse Icelo alertando-o

Logo Dante entendeu a razão, ele começava a ouvir os próprios gritos, não apenas isso, mas também a voz de sua mãe e também a de Zachary, elas vinham de dentro das celas, como se eles estivessem presos e sendo torturados, implorando por ajuda.

Mesmo que saiba que é um truque, que não é real, é difícil ficar inerte vendo as pessoas que você mais ama sofrendo tanto. Embora nunca fosse admitir Dante agradecia por estar junto de Icelo e esse o estar arrastando, não o deixando parar.

Conforme adentravam na prisão mais ficavam confusos, um emaranhado de corredores, subidas e descidas, desvios, como um grande labirinto, ou talvez o prédio mudasse seus caminhos para confundi-los, a esta altura era difícil saber exatamente o que estava acontecendo.   

Todo o ambiente era opressor, as paredes pareciam se fechar sobre quem passava, era um clima claustrofóbico, adiante puderam ver uma parede vidro que mostrava um grande salão vazio, onde soltavam alguns presos e davam-lhes armas.

Por isso aquela tortura era tão efetiva, porque eles conseguiram entender a forma como a alma humana é, o modo como ele se fecha e reage a dor. O sofrimento nos torna duros, perdemos o encanto com o mundo, causar dor em outra pessoa é como uma forma de esquecer a nossa, de dividir todo aquele tormento. Nos tornamos frios, se ninguém ouviu nossos gritos e veio nos ajudar, não há razão para termos piedade dos outros.

E então vem a pior parte, o espelho. Quando os vemos acuando, chorando, implorando por ajuda, eles começam a se parecer com o que nos éramos antes, mas não temos vontade de ajudar, e sim de destruir, odiamos a imagem do que fomos, queremos continuar a ser o que somos agora, algo duro, que não sente mais dor, que a causa ao invés de senti-la.

Mas a verdade é que no fundo estamos torturando a nos mesmos e matando tudo de bom que um dia existiu em nós, desse modo matamos o que podia nos salvar e nos dar conforto e esperança na escuridão.

Não se preocupe, o passeio esta acabando. – diz Icelo

O que quer dizer? – pergunta Dante

– Ele é bastante orgulhoso sobre esse lugar, gosta de exibi-lo, mesmo que não seja a primeira vez dos visitantes aqui.

– Esta dizendo que ele sabe o que viemos fazer aqui?

– É claro que sabe, eu tive que fazer aquele show na entrada para impressioná-lo e intrigá-lo, o dar um motivo para não intervir e mandar aqueles demônios nos atacarem, ao invés disso ele mesmo falará conosco.

Após caminhar por mais alguns minutos chegaram a um grande corredor, finalmente haviam alcançado o ponto final daquela viagem. Antes que Icelo batesse na grande porta negra ornada com detalhes em dourado, ela se abriu sozinha.

Era uma sala escura, sem janelas ou nenhuma luz além de uma fraca lâmpada presa ao teto, sentado atrás de uma mesa esta Asmodeus. Aparentava ter pouco mais de trinta anos, barba rala e cabelos lisos que penteava de modo formal, mas insistiam em cair para frente, fazendo-o ficar sempre os ajeitando com as mãos. Tinha uma expressão calma, mas olhos assustadores, era possível ver que o gosto pela violência e sangue neles.

Vamos lá Asmodeus, que recepção é essa? Não vai nos convidar para sentar? Podia oferecer um chá também. – disse Icelo

Tem razão, perdoe os meus modos, mas acontece que estou mais curioso em saber o porquê de vocês estarem aqui. Principalmente o humano, o único em toda historia a ter saído daqui e pouco depois retorna por vontade própria.  – disse Asmodeus

Eu posso ter vindo por vingança, para matar todos os desgraçados que me torturaram. – disse Dante

Certamente é um motivo justo, ódio é um grande motivador, se não fosse dominado por este sentimento não teria caído aqui. E você Icelo, por que o trouxe de volta depois de ter tido tanto trabalho para tirá-lo daqui? – perguntou Asmodeus

O que? O que você disse? Isso é verdade Icelo? – começou a questionar Dante

Que desagradável Asmodeus, podia ter omitido esta parte, isso vai me atrapalhar agora. – disse Icelo

Hahahaha, desculpe, mas pensei que ele soubesse. Quero dizer, esse humano não pode ser tão idiota assim, em toda historia ninguém nunca conseguiu fugir daqui, seria muita pretensão dele achar que seria justo ele a fazer isso. – disse Asmodeus

Os anjos caídos riam daquilo tudo, agiam como se fossem velhos amigos, Dante estava confuso, ele já tinha se questionado sobre aquilo, mas sem conseguir encontrar resposta preferiu esquecer aquilo, assim como tentava não lembrar daqueles anos sendo torturado.

Mais do que tudo ele começava a duvidar de Icelo, ele tinha o libertado daquele lugar, mas por qual motivo? Às vezes parecia que tudo se tratava de uma grande piada doentia, deixá-lo sair, aproveitar momentos de paz para depois o levar de volta, onde voltaria a enfrentar os tormentos por toda a eternidade.

Então Icelo, tu veio me devolver ele? O humano não serve para o que você queria? – perguntou Asmodeus

Na verdade ainda não me decidi, por isso o trouxe ate você, para você testá-lo para mim. – disse Icelo

Asmodeus então se levantou da cadeira e calmamente retirou o paletó e a camisa, exibindo um corpo bastante musculoso e com várias cicatrizes, indicou uma porta e foi na frente, sendo seguido por Icelo e Dante.

Foram ate o que parecia ser uma arena de gladiadores, o lugar cheirava a sangue e morte, era um lugar onde Asmodeus aceitava o desafio de alguns dos condenados, lutava com eles para quando estava entediado, o resultado era sempre um massacre.

Icelo parecia excitado com aquilo, sentou-se confortavelmente e se preparava para apreciar a luta. Mas antes chamou Dante para conversar.

Aqui esta, vou cumprir a minha parte no nosso acordo, vou lhe dar poder. – disse Icelo