Friday 4 July 2014

Capítulo 60 - A luz que cura




Simone tentava se recompor, avaliar os danos que havia sofrido e calcular como seguir, era a coisa racional a se fazer, mas a única coisa que ela conseguia sentir eram sentimentos primitivos, o desespero e o medo, seu instinto de sobrevivência a dizendo que deveria fugir, que este era um inimigo que nunca conseguiria vencer.

A opção lógica nesse caso era tentar um ataque suicida, causa ao adversário a maior quantidade de dano possível antes de morrer. Mas existia um problema nisso, ela era a responsável pelo suporte do grupo, seus poderes de cura eram muito importantes.

Calculando o poder de luta estimado de cada um deles Simone sabia que era a mais fraca do grupo, mas mesmo assim não podia morrer ali, os outros deveriam estar enfrentando adversário tão poderosos quanto o dela, mesmo que vencessem terminariam a luta em péssimo estado.

Ela precisaria estar lá para ajudá-los, curá-los antes das lutas seguintes, se conseguissem avançar não adiantaria nada se já chegassem sem forças no castelo de Lúcifer.

Mas existia algo mais, a verdade é que ela ainda pensava nas palavras de Mark, ela queria descobrir coisas que realmente gostasse, encontrar seus próprios objetivos e sonhos, ela não queria morrer.

Não fazia sentido, era irracional, ela tinha sido criada como um soldado, alguém que deve viver e morrer pelos objetivos da organização, não tinha o direito de ter coisas como sonhos, além disso, era absurdo pensar nisso agora, se tornar emotiva no meio de uma luta.

Talvez estes pensamentos a invadissem agora porque seria a ultima coisa em que ela pensaria, no fundo ela queria tentar encontrar quem ela realmente era, sua verdadeira identidade, não a soldado da Vama Marga.
Na frente dela de modo imponente estava Sallos, não fazia mais questão de usar truques, seu poder no máximo tornava impossível que ele se escondesse, lentamente caminhava em direção a Simone que com dificuldade tentava ainda se levantar do primeiro golpe, apenas mais um e tudo estaria terminado.

Sentindo a aproximação dele Simone tentava se erguer rapidamente. O que fazer? Ela se odiava por estar em duvida neste momento, sua determinação desaparecia a cada passo de Sallos, este seria o fim.

Eu quero viver! Não posso morrer aqui! – gritou Simone

Por um momento Sallos parou, o grito dela o havia surpreendido. Ele estava acostumado a súplicas e a gritos implorando por piedade, isto nunca tinha abrandado seu ímpeto ou diminuído seu desejo de torturar.
Entretanto, este não era o caso. Aquele não era o grito de alguém implorando para não morrer, Simone havia gritado para ela mesma. Era a sua determinação em encontrar o seu verdadeiro eu.

Durante toda a sua vida tinha sido guiada por outros, era um soldado que tinha missões a cumprir, mas agora nas portas da morte, ela faria algo por ela mesma. A decisão dela era de querer viver, encontrar um objetivo próprio.

No instante em que Sallos a ergueu, segurando-a pelo pescoço para desferir o golpe final, foi como se o tempo tivesse parado para ela, o ataque do anjo parecia devagar, tudo parecia em uma velocidade diferente. Simone estava enxergando o tempo de um modo diferente.

As visões e introspecções te ensinarão muito sobre ti mesmo e o mundo. Recorda a unidade de todas as coisas vivas. Recorda a glória da Luz Clara. Deixa-te guiar através de tua nova vida que vem. Se te sentes confuso, invoca a memória de teus amigos e de teus mestres. Trata de alcançar e conservar a experiência da Luz Clara. – murmurava Simone
– A luz é a energia vital. A chama sem fim da vida. Esta é a incessante transformação da energia. O processo vital. Não temas. Entrega-te a ele. Une-te. Forma parte de ti.  Tu és parte dele.

Durante o período em que foi treinada na Vama Marga Simone estudava muitos mantras e orações, o seu preferido era o Bardo Thodol, o Livro Tibetano dos Mortos, e neste momento em que sentia o fim da sua vida se aproximar estas palavras santas de iluminação e compreensão preenchiam a sua mente.

Todo o corpo dela começou a brilhar emitindo uma forte e poderosa luz, tão forte que era capaz de dissolver a escuridão daquele lugar. A sua energia espiritual queimava fortemente, sua alma havia mudado para algo diferente, como se agora ela compreendesse a unidade entre o corpo e o espírito.

O brilho da alma humana era capaz de afastar toda a escuridão, ate mesmo iluminar o inferno. O que Simone viu foi ainda mais surpreendente. Tudo aquilo tinha acontecido em um pequeno quarto, a maioria daquelas coisas deviam ser alucinações ou controle mental, aquele círculo infernal era do tamanho do medo que despertava nas pessoas.

Ela entendeu que o medo e o poder que Sallos tinha vinham fundamentalmente das fraquezas dentro da mente das pessoas que eram torturadas por ele.

Ate mesmo Sallos agora se revelava de modo diferente, era um homem de aparência distinta, era alto, com cabelos lisos e curtos, alguns traços de barba no rosto, que era bonito, mas o que mais se destacava eram os seus olhos.

Os olhos de Sallos pareciam destruídos, a íris de ambos estava branco, e em volta eles pareciam queimados, provavelmente durante uma luta na guerra que aconteceu entre as forças de Lúcifer e Miguel, ele devia ter recebido um ferimento nos olhos que o tinha deixado cego.

A energia transbordava do corpo de Simone, agora ela era que caminhava lentamente em direção a Sallos enquanto ele recuava hesitando, tentando cobrir o ambiente novamente com um manto de trevas, mas sem conseguir.

O anjo também fez sua energia explodir, e parou de recuar, emitia uma aura envolta em ódio e crueldade, eu chocava-se com a de Simone, que transmitia paz e quietude.

Ele atacava violentamente, mas Simone esquivava com facilidade. A garota olhava para os movimentos do anjo que pareciam se arrastar, como se os vários golpes que ele desferia por segundo na verdade demorassem horas.

O anjo caído estava enfurecido, ele tinha percebido que ela havia deixado passar varias chances de acertá-lo, aquilo não fazia sentido, a menos que ela estivesse a subestimá-lo, imaginando que podia vencê-lo a qualquer momento.

Mesmo assim ele queria se afastar dela, aquela luz que emanava dela o acalmava, e isso o assustava, se continuasse por mais tempo talvez ele perdesse seu ímpeto de batalha. Houve então um golpe que ele conseguiu acertar, Simone não se esquivou e foi acertada por um soco no rosto, mas o golpe teve força de um soco de um humano comum, apenas feriu o rosto dela.

Foi então que Simone colocou suas mãos sobre os olhos de Sallos, ele caiu de joelhos, gritava de dor.
Após algum tempo Simone retirou as mãos dos olhos deles, e pediu que ele os abrisse, Sallos agora conseguia enxergar perfeitamente.

O que você fez comigo? – perguntou Sallos
Trouxe você de volta para a luz. – respondeu Simone
– Como pode ter feito isso, fui ferido pelo próprio Lúcifer?
– As marcas e cicatrizes podem permanecer, afinal não se pode apagar o passado, mas tudo pode ser curado, não existe nada que doa para sempre.
– Por que fez isso? Por que me ajudar? Podia ter me matado e terminado com isso.
– Não senti maldade em você. Havia apenas dor, você estava perdido na escuridão.
– Não me julgue humano!
– Talvez humanos e anjos não sejam tão diferentes afinal, os sentimentos são os mesmos. Quando se é ferido é natural ir para o escuro, buscar abrigo, tentar se isolar, quem sabe ate machucar outras pessoas, talvez se distribuíssemos nossa dor para outros ela diminua, ou torturar outras pessoas nos faça esquecer nossa própria tristeza por algum tempo.

Sallos ficou em silêncio. Simone havia conseguido entrar dentro da alma dele, entender toda a dor pela qual ele tinha passado, tinha se deixado acertar por ele para poder entendê-lo.

Durante a guerra Sallos tinha ficado do lado das tropas de Miguel, quando atacou Lúcifer foi ferido nos olhos, perdendo a visão, em seguida sendo gravemente ferido, mas de algum modo ele sobreviveu.
Miguel o expulsou de seu exercito, não queria um soldado cego, seria algo inútil, depois de vagar por algum tempo Sallos decidiu ir para o inferno, procurar Lúcifer e morrer em batalha, terminar com alguma dignidade.

Ao chegar ao inferno tentou enfrentar Lúcifer, mas este se recusou a lutar com ele e impediu que seus  anjos caídos fizessem o mesmo, disse que não mataria por piedade. Mas que estava disposto a oferecer outra coisa a Sallos, deixa-lo usar todo seu ódio e dor para torturar almas. Daria a ele um dos círculos infernais para que ele fosse o guardião.

No primeiro círculo Sallos moldou aquela escuridão, o mundo negro e vazio em que ele vivia devia ser sentido por todos, mas agora depois de tantos séculos não havia mais trevas.

Enquanto ele continuava confuso, perdido sobre o que fazer, não entendia que poder aquele, como existia uma força capaz de curar, ao invés de apenas destruir. Simone desmaia, provavelmente tinha exaurido sua energia, sua respiração diminuía, provavelmente ela morreria em pouco, aquilo tudo tinha sido demais para um humano.


O anjo via aquele corpo caído no chão, tão frágil, algo que ele poderia esmagar sem dificuldade, era isso que ele deveria fazer, terminar logo aquilo, aproveitar a chance e matá-la. Então aproxima sua mão do pescoço dela para sufocá-la.    

2 comments:

  1. Um grande capitulo, a oração de Simone trouxe a verdadeira identidade de Sallos á tona, isso fez com que ela ficasse mais fraca e o anjo pode aproveitar para a matar, adorei a batalha, ficou muito bem descrita assim como o Sallos, consegui imagina-lo.

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  2. Foi interessante ver que a Simone, apesar de estar ferida e desesperada naquele momento, foi capaz de ver o quanto era importante para o grupo. O suporte é a parte vital de um grupo, especialmente quando se luta contra inimigos tão poderosos. Não sei porque, isso me faz lembrar daquela discussão do povo que a Sakura de Naruto é inútil, sendo que se não fosse por ela, muita gente teria morrido. Acho que suporte às vezes é muito subestimado...
    Mas enfim, voltando ao review... XD Achei muito foda de você colocar que o tamanho do ambiente e o medo que a pessoa sentia eram proporcionais, foi uma ótima sacada!
    Foi muito bonito o que ela fez pelo Sallos! Até ele mesmo ficou surpreso com a atitude dela. Imagino a frustração dele de ter que viver daquela forma... Não imagino que depois do que ela fez, ele vá executá-la, acho que no fundo ele terá um pouco de gratidão.
    Achei esse capítulo muito bom! É interessante ver como as coisas estão interligadas em sua fic.
    Estarei indo ler agora o próximo XD

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