Capítulo 116 - As palavras que agora posso dizer

A consciência abandonava Victor, a perda de sangue, o envenenamento, sua técnica ter sido completamente anulada por aqueles três anjos, ele não tinha mais ideia do que fazer, sua fúria parecia algo sem sentido, apenas uma chama que queimou a ele mesmo, e que no fim o levou a morte.

Mas enquanto a vida o deixava, se por alucinação ou por um instinto de sobrevivência tentando fazer com que ele se reerguesse, ele viu Strauss na frente dele, o estendendo a mão para que ele se levantasse, mas ele era incapaz de estender a mão.

Strauss começa a falar com ele, aquelas palavras ele já as ouviu antes, ele se lembra com carinho dessa conversa. Foi quando ele o nomeou como Genbu, a tartaruga que protege o norte. Victor não entendia o motivo de ter sido escolhido como um dos guardiões.

Victor, a tartaruga encarregada de proteger o norte, deve ser forte e decidida, capaz de suportar a rigidez do frio e da solidão, para isso precisa possuir uma forte carapaça, algo que a faça aguentar as adversidades. – disse Strauss

– A tartaruga precisa ser uma montanha, oferecer proteção e suporte, ser a defesa inexpugnável, aquele em quem se confia totalmente, toda a estratégia é construída pensando nisso.

Victor ficou em silêncio por algum tempo, aquelas palavras o alegravam, mas ao mesmo tempo ele não sabia se era capaz de cumprir o que era esperado dele.

Mas eu não sirvo para defesa, eu apenas ataco, não tenho estratégia ao lutar, eu sou apenas uma fera. – disse Victor

Exatamente o que se espera de alguém que luta para defender sua posição, para guardá-la, que não permita que o inimigo avance. – disse Strauss

– Não posso aceitar, você esta confiando demais em mim.

– Nunca tive motivos para não confiar, seu passado pode não ser branco e puro, mas o meu tão pouco é, não sou eu quem irá julgá-lo por isso. Eu passei muito tempo com você para achar que poderia mudá-lo, fazê-lo sair da sua concha, isso não vai acontecer. Mas e daí, eu não estou pedindo para que mude, seja quem você é.

– Mas existe algo mais, a tartaruga também representa a longevidade, então eu quero que você viva Victor, viva o suficiente para encontrar seu lugar nesse mundo, para superar seu passado, para ver o fim do inverno.

Os anjos conversavam, Sitael sugeria que parassem de perder tempo lá e começassem a atacar todo o mundo, mas Melahel insistia para que ficassem, a técnica que tinham usado para derrotar Victor, ela queria que eles a ajudassem a expandir aquela magia de dominação por todo o planeta, fazendo com que as plantas envenenassem o mundo.

Eles são interrompidos por Caliel que tristemente aponta para o corpo de Victor, ele estava melancólico desde que tinha visto em que o mundo tinha se tornado desde que tinha sido entregue aos humanos, os outros anjos olham e se surpreendem ao vê-lo se erguer e encará-los arrogantemente.

Que animais nojentos são esses bonecos de barro, mesmo sendo pisoteados e esmagados se recusam a aceitar seu fim. – disse Melahel

Se o que ele quer é ser esmagado ate que não possa mais se levantar então cumpriremos sua vontade, dessa vez me certificarei de matá-lo. – disse Sitael

Não o subestimem, os olhos dele são perigosos, ele não olha para o futuro, um animal acuado e desespero torna-se mais perigoso. Sugiro que o deixemos agonizar ai, ele vai perder os movimentos do corpo em pouco tempo. – disse Caliel

Na sua voz os outros anjos perceberam um tom de repreensão, ele estava incomodado por eles terem usado um veneno que causasse muita dor e que prolongasse muito a morte, ele achava aquilo desprezível, pensava que o melhor era matá-lo rápido e acabar com aquilo.

Victor respirou fundo, concentrou o que lhe sobrava de energia e começou a caminhar em direção a eles, novamente as plantas avançavam contra ele, mas dessa vez ele não desperdiçava suas chamas, nem poderia fazê-lo.

O oxigênio tinha ficado bastante rarefeito por causa das plantas que o sugavam em abundancia, era difícil respirar, e mais ainda propagar as chamas.

As plantas atacavam-no, mas dessa vez ele não expandia seu fogo de modo aleatório, concentrava apenas nas mãos, sendo também capaz de gerar temperaturas maiores por estar concentrando a combustão em um espaço menor.

Dessa vez ele não era tocado pelos ataques, queimava as plantas instantaneamente, gerava uma pequena aura de calor ao seu redor. Ele parava e dava alguns passos para trás, ainda sentia os efeitos do veneno. Mas daquela forma que ele avançava, mesmo estando perto de morrer, ele fazia os anjos recuarem, a exceção de Caliel, que olhava com atenção para os olhos de Victor.

Entendo, esse homem não é tão diferente de nós, ele odeia aqueles que lhe deram a vida e acha que seu destino é amaldiçoado. A imagem dele me repugna porque tem algo que também vejo em mim e em vocês. Irmãos, peço que deixemos este lugar, esta luta não levará a nada. – disse Caliel

Como pode dizer tal absurdo? Esta dizendo que devíamos fugir desse humano? – questionou Sitael

– A forma como ele luta pela vida, mesmo diante da morte e cercado pelas trevas ele ainda resiste, essa vontade que existe na alma humana, acho que não me sentiria bem em apagar essa chama.

Melahel foi ate ele e deu um tapa no rosto dele, derrubando-o.

Como pode dizer tais coisas depois de ver o que fizeram com nosso mundo? – disse Melahel

É nisso que tenho pensado, embora o que eles fizeram seja errado, mas esse mundo é deles, cabe a eles aprender com seus erros e acertos. Na verdade todo esse mundo me parece ainda tão jovem, como se fossem crianças perdidas. – disse Caliel

Chega! Se você continuar a falar é provável que nos tornemos inimigos, cale-se. Nós estamos unidos desde o principio, seguiremos juntos, nos ajude a destruir esse humano, quando o calor da batalha acender dentro de você dissipará essas pensamentos sem sentido. – disse Sitael

Desculpem-me irmãos, mas não seguirei nessa batalha, não lutarei mais contra esse homem. – disse Caliel

Aproveitando-se desse momento de discórdia entre os anjos Victor avançou queimando todas as plantas em seu caminho, ate finalmente chegar perto o suficiente para acertar um soco em Sitael.

O punho envolto em chamas de Victor queima a pele do anjo, marcando o rosto dele. Melahel responde dando um forte chute no corpo do humano, que defende-se usando o braço, que foi quebrado pelo impacto.

Agora o anjo estava furioso com Victor, tentaria matá-lo com as próprias mãos, exatamente o que ele tinha planejado, seu último trunfo, sua última esperança requeria que os anjos estivessem próximos a ele.

Com o oxigênio tendo se tornado escasso ele tinha apenas uma última reserva. Ele então pede desculpas a Strauss porque não foi capaz de cumprir tudo que ele esperava dele, que tinha conseguido proteger sua posição, mas não tinha sido capaz de viver ate superar o passado.

Sitael e Melahel avançam contra Victor, Caliel percebe o que vai acontecer e voa para junto dos outros dois, ele dividiria o mesmo destino deles.

Lutando contra os efeitos do veneno Victor tentava resistir, precisava aguentar ate eles estarem perto o suficiente. Sua técnica final era a forma mais violenta e forte da combustão, a explosão. A última reserva de oxigênio que possuía estava nos seus pulmões.

Usando a força de sua própria alma, incendiando seu espírito, ele decidiu usar seu próprio corpo como uma bomba.

Quando os anjos estavam a centímetros dele, a energia dentro dele começou a se expandir a uma velocidade inacreditável, imediatamente eles perceberam o que ele faria, mas já era tarde, não conseguiriam mais escapar.

Uma enorme explosão aconteceu, um abalo sentido em toda a região, uma força devastadora que resultou na completa destruição de tudo em um raio de sete quilômetros.

A técnica final de Victor tinha sido poderosa o suficiente, a força da explosão tinha destruído completamente o corpo dos anjos, embora o corpo dele fosse resistente ao fogo e a calor devido a sua habilidade especial de piromancia, mesmo ele não pode resistir a tanto poder destrutivo, principalmente somado aos efeitos do envenenamento e da perda de sangue.   

Contudo, duas coisas inesperadas aconteceram.

Victor acordou com varias pessoas ao seu redor, um grupo da Vama Marga havia sido enviado por Simone para auxiliá-lo, eles não tinham conseguido chegar a tempo para ajudar na batalha, mas agora tratavam dele e realizavam os primeiros socorros básicos para estabilizá-lo e o levar para um hospital.

A conversa entre eles antes fez Simone perceber que ocupar o posto de líder não era o suficiente, que Strauss tinha construído uma relação de confiança e admiração com muitos dos soldados, por isso eles o seguiam. Ela não conhecia Victor, mas ele era parte importante da Vama Marga, um dos quatro guardiões, mesmo tendo ameaçado a ela e a toda organização isso era algo para um momento secundário, no momento ele tinha lutado bravamente e protegido o nosso mundo.

A atitude de Simone o chocou, mas não tanto quanto a atitude de Caliel, no fim Victor sobreviveu porque após a explosão, seu corpo foi envolvido pelas plantas como em um casulo, que dessa vez não o envenenavam, mas na verdade o curaram, tinha sido a última coisa que o anjo fez antes de morrer junto de seus irmãos.

Foi quando Victor percebeu que sua pele começava a cair, como se fosse uma casca, seu corpo ate então coberto de queimaduras e marcas perdia esse aspecto, sua pele se tornava normal. Foi quando ele começou a chorar enquanto pensava que tinha cumprido com tudo que Strauss o havia pedido.