Capítulo 113 - A sincronia dos corações

Um monastério antigo, por fora bastante castigado pelas marcas do tempo, mas por dentro algo bastante diferente, instalações modernas, computadores, varias pessoas correndo de um lado para o outro, aquela era uma das sedes da Vama Marga.

Numa sala, observando pôr-do-sol através dos vitrais com imagens religiosas estava Simone, ela pensava em Sallos, assim como nos outros e na difícil missão que tentavam cumprir, ela queria estar lá, lutando ao lado deles, não queria ter ficado, mas às vezes alguns precisam ficar para trás, porque ainda existem coisas que precisam ser protegidas.

Foi uma escolha difícil quando ela decidiu que ficaria no mundo humano, mas ela sabia que Ravel era mais poderoso do que ela, que poderia ser mais útil lá, além disso, ela assim como ele tinha sido treinada e aprendido tudo com Strauss, as formações e protocolos da Vama Marga. Mas enquanto ele era especializado nas técnicas de ataque, era para ela que Strauss tinha ensinado as táticas defensivas, uma vez que sabia que Ravel não as aprenderia tão bem pela sua natureza.

Simone sabia que durante a batalha no paraíso eventualmente uma onda de ataque poderia ser lançada contra o nosso mundo, por isso ela ficou, embora seu coração a impelisse a ir, mas ela precisava ser racional, garantir que o sacrifício daqueles que lutavam no paraíso valesse algo, que quando eles voltassem sãos e salvos, encontrassem esse mundo que eles lutaram para proteger.

Nesse instante ela era interrompida de seus devaneios, apressadamente um dos recrutas da organização avisa a ela que nosso mundo esta sendo invadido por uma legião de anjos, por enquanto não muito mais do que duas dezenas, mas isso era mais do que o suficiente para destruir todo o nosso mundo.

Imediatamente Simone ordena que seja emitido o alerta máximo, que todos os membros da Vama Marga sejam chamados e se preparem para o combate, também ordena que os quatro espíritos guardiões sejam avisados e que sejam enviados soldados ao auxilio deles.

Na organização da Vama Marga existiam uma rígida hierarquia, a organização era liderada por um conselho que elegia um comandante geral, este era Strauss, abaixo do conselho ocupando a segunda posição mais importante estavam os quatro espíritos guardiões, este era um título dado aos mais poderosos dentro os Bem-Aventurados em cada geração.

Eles eram enviados a diferentes partes do mundo com a missão de serem os protetores daqueles lugares, a tartaruga que protege o norte, Victor; o dragão que protege o leste, Jin; o pardal vermelho que protege o sul, Natalie; e o tigre que protege o oeste, Sachafer. 

Em seguida ela teve de tomar a mais difícil decisão, ordenou que fosse preparado o ritual da Tamachi Bakudan, como um recurso final que ela rezava para que não precisasse usar.

Apenas tomar essa decisão tinha um peso enorme, aquela técnica iria requerer noventa por cento de todas as almas da humanidade, usá-la significava sacrificar seis bilhões e trezentos milhões de pessoas para que setecentos milhões pudessem sobreviver, pensando apenas nos números não se pode dizer que era totalmente louco, mas como destruir tantas vidas, tantas famílias e ainda poder conviver consigo mesma?

Simone sentiu que uma parte dela morreu ao fazer a escolha e seguir com os preparativos feitos por Ravel, agora ela ardorosamente rezava para que Mark e os outros vencessem a batalha no paraíso, bem como que a Vama Marga conseguisse proteger a humanidade dos anjos que tinham chegado ao nosso mundo.

Antes de enviar os soldados para batalha ela parou diante deles, em pé no púlpito da capela ela encarava a todos eles, nos rostos dela ela via centenas de emoções diferentes, medo, coragem, duvida, esperança, ela sabia que as palavras que dissesse a seguir poderiam pender a balança para um desses sentimentos, que é dever do líder também motivar e fazer aqueles que o obedecem acreditarem naquilo pelo que lutam.

A cada momento dando ordens, sendo a líder, ela sentia todo o peso de cada decisão, quantas vidas seriam perdidas ou salvas dependendo de uma escolha certa ou errada?

Se agisse rápido demais poderia cometer um erro e por tudo a perder, se fosse lenta e esperasse demais quando agisse podia ser tarde demais. Razão, intelecto e probabilidades ou emoção e instinto?

Como calcular todas as variáveis que podem acontecer durante o confronto no campo de batalha e se preparar para eles? Como mandar aqueles homens e mulheres para a morte sem ter a total convicção de aquela é escolha correta?

A garganta dela estava seca, ela prendia a respiração enquanto todos a encaravam esperando as palavras da líder. Começava a imaginar que duvidavam dela, se eles se rebelassem e ela perdesse a confiança como ficaria tudo? Mas era tão difícil qualquer coisa, como Strauss conseguia? Como Zachary era tão confiante e sabia exatamente o que cada um precisava ouvir quando estava no inferno?

Sim, eram eles que deviam estar lá agora, grandes líderes, mestres destemidos, pessoas que todos respeitavam e que com uma palavra podiam mudar o rumo das coisas. Simone não se sentia assim, ela achava que era um grande erro ser ela a estar viva nesse momento quando outros seriam mais úteis.

E se arrogância dela condenasse toda a humanidade? Bem ou mal Ravel era um líder, ele poderia ser agressivo e autoritário, mas os soldados o ouviam, ele não estaria perdido em um momento como esse. Simone havia prometido a ele que cuidaria de tudo, não só a ele, a todos, quando ficou para trás ela sabia que um momento assim chegaria.

Mas agora toda a preparação que ela pensava ter, tudo que tinha planejado, parecia tão errado, era como se o plano dela fosse um castelo de cartas prestes a desmoronar com qualquer ventania. Por um momento ela quis abandonar aquele lugar, fugir.

Sentia que enlouqueceria se aquilo durasse mais, foi então que tomou coragem imaginando que Sallos estava ao seu lado, dando força para ela e sussurrando aquelas palavras, ela pensou em como queria vê-lo novamente.

A Vama Marga foi criada há muito tempo, é tão antiga que ate é difícil precisar exatamente quando surgiu. Embora não saibamos o quando, o porquê é algo bem claro, especialmente hoje. – disse Simone

– Sinceramente eu já não me importo com a historia sobre como tudo começou, o sacrifício de Deus por nós, a guerra entre anjos e demônios, isso não é importante. Quando a Vama Marga foi criada eles pensaram que algo precisava estar lá por nós, que devíamos ser mais do que simples peças jogadas pelas mãos celestiais.

– Mais do que nossas almas, tudo que somos, tudo que construímos, tudo que amamos, é isso que eles querem tomar de nós. Eu não vou permitir isso, tem coisas que são importantes para mim, que por elas eu arriscaria a minha vida sem pensar.

– Vamos enfrentar anjos, criaturas divinas, coisas que estão além da nossa capacidade de compreensão, eu estou assustada, eu não os culpo se vocês também estiverem, mas não é por ter medo que vamos nos esconder, é por saber o quão terríveis eles são que vamos os enfrentar, porque sabemos o que eles podem fazer ao nosso mundo se não forem contidos.

– O que vamos ter a seguir é maior batalha que a humanidade já teve, certamente no passado houve lideres melhores, guerreiros mais poderosos, grandes heróis, mas eles não estão mais entre nós. Esse futuro que nos espera não é o que merecemos, mas é por isso que vamos moldá-lo, não vamos nos curvar, vamos lutar e vamos construir esse futuro.

– Eu estou olhando apenas para frente, esse é o nosso objetivo, garantir que exista um mundo amanhã.

– Eu tenho um sonho, eu quero ver as estrelas ao lado da pessoa que amo, mas se eles nos vencerem hoje não haverá amanhã, não existirão mais estrelas no céu, é por isso que eu luto. Quero que pensem nisso, imaginem o que é mais precioso para vocês quando estiverem lá lutando, dêem tudo de vocês para proteger o que é importante.

Ao fim do discurso todos se erguerão e gritaram, mostraram toda a força de seus espíritos e como estavam determinados a enfrentar todo o paraíso se fosse preciso. Simone havia conseguido, no fim ela apenas abriu o seu coração e disse o que realmente pensava, e isso funcionou. Ela podia não ser uma líder como Strauss ou Ravel, mas do seu próprio modo tinha descoberto que também sabia como comandar.

Ao mesmo tempo, ver tanta vontade, tanta determinação nos soldados também a encheu de confiança e a fez ter certeza de que não podia fraquejar, que precisava confiar em si mesma e ser uma líder digna de guerreiros tão corajosos.

Enquanto isso no paraíso, Sallos se recusava a fraquejar, bravamente lutava mesmo cercado por dezenas de anjos, seu corpo já tinha vários ferimentos e ele começava a sentir o cansaço da batalha anterior contra Theliel.

Ele segurava vários deles, mas dezenas já tinham conseguido ir em direção ao mundo humano, isso angustiava-o, ele verdadeiramente tinha decidido em seu coração proteger a humanidade, porque agora era com ela que Deus vivia, amar e servir a raça humana porque assim estaria honrando a Ele.

E principalmente, ele pensava em Simone, a humana que tinha o tirado da escuridão, que tinha curado seus olhos, e que mesmo depois ele os tendo perdido novamente, ele ainda continuava na luz por causa dela. Sallos sabia que ela enfrentaria aquela ameaça, que protegeria a humanidade, ele confiança nela e na força dela, mas ao mesmo tempo tinha de fazer sua parte diminuindo o fardo dela, segurando tantos anjos quanto pudesse. Ele lutava porque precisava proteger o que era importante.

Mas aquilo começava a incomodar Icelo, a resistência de Sallos estava sendo um obstáculo maior do que ele esperava, algo que precisava ser eliminado.