Capítulo 38 - A trombeta do apocalipse

Lilith sentia sua vida lhe deixar enquanto aquela espada atravessava seu corpo, mas antes do fim, quando um segundo golpe estava prestes a ser desferido aconteceu algo inesperado. Um grande clarão e então um portal se abriu, um demônio retornava do mundo dos homens para o inferno.

Percebendo que aquela era uma chance única Lilith usou todo o poder que lhe restava e disparou contra o seu atacante, a energia não era o suficiente para derrotá-lo, mas poderia atordoa-lo por um instante, dando a ela o tempo necessário.

Então desesperadamente ela se arrastou e conseguiu atravessar pelo portal que logo em seguida se fechou. Ao mesmo tempo era possível ouvir várias presenças poderosas se aproximando, provavelmente um grupo buscando por Lilith que fugirá da prisão, ao ver que não tinha mais opções o atacante mascarado apenas retalhou o demônio que havia chegado e partiu antes da chegada do grupo.

No mundo humano Lilith sofria duplamente, por sua natureza angelical o mundo a rejeitava, sua essência era poderosa demais, era impedida pela barreira colocada por Deus, ao mesmo tempo em que sangrava abundantemente pelo ferimento da espada.

Ela vagava por uma escura estrada sob uma pesada chuva, seus pés vacilavam, seus passos não tinha direção, quando então um carro apareceu, nele vinham Katherine e seus pais.

Os pais de Katherine haviam encontrado-a na estrada depois de ela ter fugido de casa, ao se deparar com aquela jovem mulher no meio da pista o pai de Katherine não teve tempo para reagir, quando girou o volante para evitar a batida o carro perdeu o controle, devido a chuva o veiculo patinava, os freios não respondiam. Então houve o acidente.

O carro descontrolado começou a capotar ate se chocar violentamente contra uma árvore que estava na beira da estrada, o impacto foi violentíssimo, os pais de Katherine que estavam na frente morreram imediatamente, enquanto ela no banco de trás conseguiu sobreviver, estava gravemente ferida, mas ainda viva.

Lilith se aproximou do veículo e viu aquela garota a beira da morte, exatamente como ela mesma, então ela decidiu tentar algo louco, aproveitando a fragilidade da garota que estava prestes a morrer ela se fundiu a ela, ligando as duas essências vitais de modo que ambas pudessem sobreviver, apenas assim unindo-se poderiam escapar com vida.

Em seguida Lilith começou a substituir e alterar algumas lembranças da garota de modo que ela não se lembrasse dessa noite, com o pouco de energia que lhe restava Lilith atraiu ate si um demônio de classe baixa e fez com que ele tomasse o corpo de Katherine por possessão, era como esconder uma árvore em meio a uma floresta.

Usando a presença do demônio ela esconderia a si mesma no subconsciente da garota, e ela precisava disso, estava muito fraca, precisaria dormir e repousar por anos ate se curar de todos os ferimentos que sofreu, e enquanto planejava a sua vingança.

Depois que Dante pôde ver tudo isso então Lilith parou de beijá-lo, ele ficou desorientado e confuso por um momento.

O que foi tudo isso? – disse Dante

O que você queria, tudo o que viu foi a minha história, o que aconteceu comigo. – disse Katherine

– Mas como isso foi possível?

– Embora vocês humanos tenham se esquecido disso e apenas vulgarizado e tornado em algo lascivo, um beijo na verdade representa se entregar totalmente a outra pessoa, confiar nela e a deixar ver tudo que tem dentro de você, não esconder sequer as sombras, se tornar um com a outra pessoa.

– Essa é a parte que me preocupa. Abrindo uma “porta” para que eu pudesse ver dentro de você, o que me garante que o contrário também não ocorreu? Uma porta sempre é aberta dos dois lados.

– Entendo, tem medo do que eu possa ter visto dentro de você, que diante do que eu vi passe a julgá-lo fraco, quebrado demais para que me seja útil, o que vai fazer com que me livre de você agora.

– Não temo nada, e mais do que isso, pelo que pude ver é você quem precisa de mim, afinal ainda esta com o selo que limita seu poder a apenas dez por cento da força original. Então, me diga, quem devia temer quem? Por que eu não deveria acabar com você agora mesmo.

– Porque você não confia em ninguém além de você mesmo, se sente traído pelo seu pai e por aqueles que deviam ser leais a você. Não vai me matar porque sentiu que estava vendo um espelho quando olhou para mim.

– Você disse que logo tudo começaria, eles viriam ate nós, bem então vamos descansar e nos preparar neste tempo que nos resta. E mais uma coisa, se todos os seus beijos forem assim então temos que repetir isso mais vezes.

Dante se afastou indo para uma parte mais isolada e deixando Lilith sozinha, ele precisava pensar, calcular com cuidado cada passo que tomaria de agora em diante. Lilith relembrava com cuidado tudo que tinha planejado, revisava mentalmente cada passo, não podia correr o risco de falhar.

Ela também continuava sendo incomodada pela consciência de Katherine que tentava emergir de volta, mas a cada instante ficava mais fraca, o que antes era como uma grande e insuportável pressão agora parecia mais com um incomoda coceira.

Aquelas revelações a perturbaram profundamente, Katherine tinha descoberto pela conversa entre Lilith e Dante a real forma pela qual seus pais morreram, isso havia provocado uma tempestade de sentimentos dentro dela. 

Em breve Katherine deixaria de existir sendo suprimida pela enorme presença de Lilith que ficava a cada instante mais forte agora que estava já totalmente curada.

Enquanto isso no paraíso um anjo caminha apressadamente ate um enorme salão reluzente, suas paredes, o teto, tudo naquele lugar brilhava como um sol queimando, era a sala do trono, onde no passado o próprio Deus se sentava. Mas agora as coisas haviam mudado, era Miguel quem ocupava o trono.

Desde a guerra civil que ocorreu há eras atrás ele passou a governar todo o paraíso. Enquanto Lúcifer fugiu como um derrotado coube a Miguel toda a glória de governar as legiões celestes, de se sentar no trono do Criador. Mas aquilo não era o suficiente, nunca seria o suficiente ate ele tomar a vida de Lúcifer, ela nunca poderia esquecer que foi o irmão quem lhe decepou uma das asas na guerra.

A simples menção ao nome de Lúcifer o fazia explodir em fúria, tanto tempo acumulando tanto ódio e ambição haviam transformado Miguel, ele não era mais nem sombra do honrado e glorioso anjo a quem Deus havia confiado o comando de todas as legiões guerreiras do paraíso.

Em todo o céu só existia um anjo que podia falar com Miguel como igual era Orphamiel. Ele trazia relatos de um espião que o paraíso possuía no inferno, contava sobre algo grande prestes a acontecer, Lúcifer iria fazer um grande movimento.

Então finalmente é a hora, este maldito é o que trará a ira de Deus sobre nós? – perguntou Miguel com ironia

Creio que esta equivocado Lorde Miguel, o interesse de Lúcifer não parece ser Natanael. – disse Orphamiel

– Realmente parece com ele, quando a guerra que decidirá o destino de toda criação esta prestes a começar ele arrisca tudo em nome de um capricho idiota.

– Provavelmente por isso ele era o favorito do “papai”.

– Os favoritos do “papai” são aquela nojenta escória de barro, é isso que Lúcifer se recusava a entender, ele culpava os homens por Deus ter virado as costas para nós, mas a verdade é que Ele escolheu nos trair.

– E essa diferença de perspectiva sobre quem era o culpado causou uma guerra que dizimou mais da metade de toda a legião celeste. Eu ainda me lembro de quando éramos tão numerosos como as estrelas no universo ...

– Foram sacrifícios necessários, que no tempo devido serão todos vingados. Eu vou consertar tudo, quando eu exterminar estas abominações de barro então finalmente terei toda a essência de Deus para mim.

Após alguns instantes de silêncio enquanto meditava sobre que decisão tomar, Miguel enfim afastou as duvidas de sua mente. Deu ordens para que Orphamiel enviasse Uriel, ele lideraria um grupo de anjos que iriam ate o mundo dos homens para confrontar as forças de Lúcifer.

Também ordenou que Azrael fosse trazido a sua presença, ele tinha planos que precisariam da força dele. Orphamiel não se atreveu a questionar, embora soubesse de toda loucura e violência que dominam Azrael, nos olhos de Miguel se via uma vontade inquebrável, nada o faria mudar de ideia.

Orphamiel preferiu manter suas duvidas e incertezas apenas para si mesmo, ninguém poderia questionar uma ordem de Miguel, mas no fundo ele sabia que quando se tratava de Lúcifer o Arcanjo guerreiro não agia de modo racional.

Após enviar as ordens para Uriel e Azrael ele ficou sozinho, caminhava pensativo pelo enorme templo, contemplando toda aquela magnificência se lembrava de um passado muito distante, quando Deus caminhava por aqueles corredores e os anjos podiam sentir sua glória.

Antes que se desse conta seus passos o levaram ate o salão dos arcanjos, onde no passado Lúcifer, Miguel, Gabriel e Rafael se reuniam para discutir o modo de governar o paraíso enquanto Deus estava ocupado com a criação do universo.

Sobre a grande mesa no centro ainda estava lá a trombeta dourada, aquela que Gabriel tocou para anunciar a morte de Deus, e que algum tempo depois soaria para anunciar o inicio da guerra entre os seguidores de Lúcifer e os de Miguel.

Toque sua trombeta Gabriel, vai começar de novo. – disse Orphamiel