Capítulo 25 - O último presente de Deus

Com bastante atenção Zachary se preparava para ouvir a história de Christian, a história dos Kroos. Aquela narrativa mudaria tudo que ele acreditava saber sobre demônios, anjos, as almas humanas e Deus.

Christian começou contando sobre a sua família, que praticamente desde sempre eles tem sido perseguidos e caçados por anjos e demônios que querem se apoderar das almas deles.

O porquê disso remonta a origem do próprio universo, de tudo, ao “Fiat lux”, a Deus.

No inicio, era tudo vazio e sem forma, então Ele começou sua obra, criando os anjos, arcanjos, querubins e todas as demais criaturas celestiais.

Mesmo assim tudo permanecia vazio, então Deus iniciou toda a criação, galáxias, estrelas, planetas. Mas ainda faltava algo, os anjos eram absolutamente leais a Ele, não eram capazes de vontade própria, viviam apenas para adorá-lo e amá-lo.

A companhia dos anjos ainda não lhe bastava, Ele se sentia sozinho, tinha um grande amor por tudo, e um coração cheio de amor quer se dar ao objeto amado, quer se tornar um com ele.

Amor é querer estar próximo ao que se ama, querer dividir tudo com ele, se sentir um. É estar disposto a se sacrificar.

Então Deus amou tanto ao universo que quis fazer parte, por isso Ele criou os homens, nós somos a comunhão de Deus com todas as coisas.

Deus se tornou a própria humanidade, a alma Dele se dividiu em bilhões de pequenas centelhas, elas se tornaram as almas humanas, são elas que nos dão a vida, o livre arbítrio, por causa disso podemos moldar nossos próprios destinos e criar nosso caminho.

E é isso que anjos e demônios procuram na nossa alma, por isso ela é tão cobiçada, cada alma humana é uma parte de Deus.

Entretanto, o supremo ato de amor de Deus foi considerado uma traição, uma afronta contra os anjos. Eles recusavam-se a reconhecer bonecos de barro como sendo Deus, jamais serviriam a seres inferiores que eles.

Isto inicia uma grande guerra no paraíso, uma terrível guerra civil que devastou o céu e terminou com a expulsão de Lúcifer e de um terço dos anjos, eles buscaram abrigo em um dos muitos mundos criados por Ele, e hoje esta região é o que conhecemos como inferno.

Ao contrario do que possa parecer o lado vencedor não aceitou as ordens de Deus de servir e proteger a humanidade, ambos os lados queriam destruir a humanidade, mas existiam grandes diferenças de pensamento e ideologia entre os lideres, Miguel e Lúcifer, por isso houve a guerra.

Então, tanto o paraíso quanto o inferno tem o mesmo objetivo, conseguir o maior numero de almas humanas, cada um querendo isto para seus próprios propósitos.

A humanidade parece totalmente sozinha e desamparada, como uma pequena formiga no meio de uma briga de elefantes, somos pequenos, insignificantes, não há como enfrentarmos forças tão antigas quanto o próprio tempo.

Mas Deus possuía o dom da onisciência, Ele sabia o que aconteceria após o seu sacrifício voluntario, que suas primeiras criações se sentiriam traídas e tentariam se vingar nos homens.

Foi então, que já quase sem forças Ele realizou seu último ato, criou um último anjo. Este ser devia ser o protetor da humanidade, quando o final dos tempos, o apocalipse chegasse, e batalha final pela salvação dos homens começasse, ele se levantaria e colocar-se-ia ao nosso lado.

Aquele capaz de salvar a humanidade de anjos e demônios, de proteger a obra de Deus, de cuidar do que Ele mais amava, o último presente de Deus, o anjo chamado de Nathaniel.

Para garantir que este anjo cumprisse seu dever Deus percebeu que o devia criar como um humano, só se fosse capaz de entender todos os nossos sentimentos, nossos medos, duvidas, dores, amores, alegria e esperança, ele poderia no fim de tudo escolher lutar ao nosso lado.

Este seria o salvador da humanidade, humano, mas carregando dentro de si a essência, a força de um anjo. Então Ele escolheu uma linhagem de homens, aquele que no futuro seriam conhecidos como Kroos, eles carregariam esta cruz, trazer dentro de si um anjo, o peso de salvar a todos.

Isto aumentou ainda mais a fúria de ambos os lados, e eles teriam exterminado até o último Kroos, mas não podiam fazer isso. Deus lançou uma terrível maldição contra aquele que ousasse atacar um Kroos, por causa disso nenhum dos lados teve coragem de atacá-los.

Mas logo eles perceberam que isso não era preciso, que o salvador da humanidade tinha um ponto fraco, o que para Deus o tornava mais forte, para Lúcifer e Miguel na verdade era uma grande fraqueza, e o que decidiria a guerra a favor deles quando chegasse o momento.

Por serem humanos os Kroos eram dotados de livre arbítrio, poderiam escolher seu próprio caminho e contrariar ate mesmo os planos de Deus.

Desde então esta tem sido a tática do paraíso e do inferno, a cada geração eles tentam os Kroos ate levá-los a perdição, nunca deixando que se tornem no que deviam ser, roubando suas almas mortais, mas incapazes de tocar na eterna essência criada por deus, não podendo roubar dos homens o último presente de Deus.

Então Christian foi ate onde estavam suas coisas e buscou algo, mostrou a Zachary um velho livro, uma espécie de diário. Lá era contada a história de cada um dos Kroos desde o ano de 1729, como cada um deles havia caído em perdição.

De uma forma ou de outra, alguns mais virtuosos, outros até mesmo malvados, todos os Kroos haviam sido vencido, sucumbido diante de anjos ou demônios e perdido as suas almas. O mesmo havia acontecido ao pai de Christian.

Este era o motivo de ele desejar se tornar um exorcista, ele queria evitar o mesmo destino de toda a sua linhagem, queria ser capaz de proteger a si mesmo e quem sabe quebrar esta terrível maldição que persegue toda a sua família.

Diferente de outros Kroos, que fugiram e tentaram se esconder ou fugir do destino, Christian queria enfrentar o seu.

Estava disposto a passar por qualquer treinamento que Zachary o submetesse, sua determinação carregava as tragédias de toda a sua família. Ele havia prometido para si mesmo que não terminaria como todos os outros, não terminaria como seu pai.

Após ouvir tudo isso Zachary se sentia perdido e confuso, embora tudo parecesse absurdo e surreal, no fundo ele sabia que aquilo era a verdade.

 Anjos e demônios, não importava como ele visse isso  parecia maior do que ele, maior do que tudo. Apesar de toda a fama que possuía ele não se considerava o mais poderoso exorcista do mundo.

Em todos os confrontos que havia tido com demônios, mesmo os de castas mais inferiores nunca encontrou nenhum que fosse fácil, todos exigiram toda sua mente e coração, qualquer descuido e poderia ter morrido.

A ideia de preparar aquele garoto para enfrentar todas as hordas infernais, para enfrentar príncipes infernais, para desafiar o próprio Lúcifer, aquilo parecia absurdo.

O máximo que todos os exorcistas faziam era se defender, tentar expelir demônios que atacavam e possuíam as pessoas, e mesmo assim apenas os enviavam de volta de volta ao inferno, existiam poucos relatos de exorcistas que tivessem sido capazes de matar demônios, e mesmo estes relatos pareciam apenas lendas e historias.

O que Christian pedia era para que Zachary o ensinasse como lutar com demônios, como atacá-los, como matá-los, isso parecia acima das capazes dele, na verdade era superior as capacidades de qualquer exorcista que ele conhecesse.

Existia ainda a questão dos anjos, ate conversar com Christian a existência deles era desconhecida, Zachary nunca havia ouvido falar em anjos, e muito menos sabia como confrontá-los.

Se eram como demônios ou diferentes? Se era possível exorcizá-los? Qual a força que eles possuíam?

Inúmeras perguntas surgiam na mente de Zachary, e ele sequer sabia por onde começar a procurar, como encontrar respostas para isso.

Mas acima de tudo havia uma questão central, o perigo que tudo isso representava, enfrentar o paraíso e o inferno, desafiar ao próprio Lúcifer ficando no caminho dele, se tudo que ele contou era verdade Christian tinha algum tipo de proteção contra isso, poderia lidar melhor com isso.

O problema é que Zachary não, e principalmente, sua família também não, ficar ao lado de Christian poderia representar colocar sua esposa e filho no meio de uma disputa entre forças incomparavelmente superiores à humana.

Talvez o melhor fosse não se meter nisso, alias mandar o garoto embora e ficar o mais distante possível dele. Zachary estava assustado com tudo aquilo, não se sentia pronto para algo tão grande, temia por sua família, temia por todo o mundo.  

Se durante tanto tempo tudo havia se passado sem que nada de ruim acontecesse a humanidade o melhor poderia ser deixar as coisas como estavam, talvez o destino do Kroos fosse ser o sacrifício que pouparia o resto da humanidade.

Por que você me contou tudo isso? – perguntou Zachary

Por que você me convidou para entrar na sua casa? Eu estou apenas colocando em prática a primeira lição que você me ensinou, confiar em seus instintos. – disse Christian

– Sendo totalmente sincero com você garoto, eu não sei o que dizer. Tudo isso parece irreal, tudo que eu tenho feito ate hoje, caçando demônios e os exorcizando parece muito pequeno perto de tudo isso. Você veio pedir minha ajuda, mas não sei se posso ajudá-lo.

– Eu entendo, para dizer a verdade também não sei exatamente o que esperava que você dissesse após ouvir isso. Meu pai dizia que nos éramos especiais, que possuíamos um grande dom e que iluminaríamos o mundo. Mas a luz nunca veio.

Zachary permaneceu em silêncio, enquanto isso Christian foi ate o quarto onde estava e arrumou suas coisas, em seguida se despediu de Amanda e do pequeno Dante agradecendo pela hospitalidade deles.

Zachary apenas assiste enquanto Christian vai embora.