Wednesday 9 October 2013

Capítulo 22 - Olhando para trás




Zachary respira profundamente, por mais que tivesse imaginado este momento algumas vezes a dificuldade não era menor. O passado é um lugar perigoso para se visitar, entre lembranças felizes e memórias dolorosas é fácil ficar perdido, se não tiver cuidado pode-se terminar vivendo apenas em função dele.
Ele começou a contar a história a partir do seu próprio passado, não sabia ao certo o porquê disso, se queria apenas adiar mais um pouco a verdade ou se queria dividir com Mark aquelas lembranças como uma forma de fazê-lo voltar a confiar nele.
Começou a contar a partir do incêndio na abadia onde seu irmão Holger morreu. Zachary tinha ficado devastado, na sua frente seu passado e presente, tudo que ele era reduzido a cinzas, o futuro parecia vazio, tudo havia ido embora.
Os outros garotos procuraram Zachary, queriam que ele os liderasse, os dissesse o que fazer, mas ele se sentia perdido, não conseguia encontrar o próprio caminho, e também não se importava com o destino dos outros, com o destino de ninguém.
Por alguns meses ele apenas vagou sem rumo, até chegar a uma cidade onde ele encontrou uma garota possuída por um demônio. Zachary sabia o que fazer, com alguma sorte conseguiu exorcizar o demônio sem matar a garota, o padre então o enviou até um bispo, a Igreja precisava dos serviços de um exorcista como ele.
Por alguns anos ele viveu desta forma, trabalhando para a Igreja. Zachary não fazia aquilo para ajudar as pessoas, o único motivo para continuar com aquilo era pelo dinheiro, e pela vingança. Com o tempo ele havia pesquisado técnicas antigas e criado as suas próprias, ele conseguia torturar demônios.
Não importava se isto no final matava ou levava a loucura todas as pessoas que haviam sido possuídas, torturar aqueles demônios era a única coisa que dava prazer a Zachary. Embora soubesse que aquilo era manchar a memória de Holger ele não conseguia parar, estava preso a um mundo de ódio. Se o passado não tivesse vindo até ele talvez ele teria se perdido para sempre.
Um dia ele foi procurado por outro garoto, do grupo de seis que foi treinado na abadia, Holger e Krauser estavam mortos, Jacob havia desaparecido, apenas Wagner e Siegel permaneceram juntos, haviam sido eles que tinham pedido para Zachary os liderar.
Wagner e Siegel tinham seguido um caminho parecido com o de Zachary eram exorcistas, e este era o motivo de Wagner ter procurado-o, Siegel estava morto e ele sendo caçado, haviam encontrado um demônio forte demais.
Wagner estava lá implorando pela ajuda de Zachary, talvez juntos eles conseguissem se salvar. Wagner dizia que no incêndio da abadia nem tudo havia sido consumido, por ficar em uma área mais isolada boa parte da biblioteca tinha ficado intacta. Lá eles poderiam encontrar alguma ajuda, algum ritual de amarração ou contenção, qualquer coisa que mandasse aquilo de volta para o inferno.
Zachary estava prestes a mandá-lo embora e dizer que aquilo não era problema dele, mas então se lembrou do sobrenome que tinha adotado para si, Holger. Decidiu ajudar Wagner, mas o que ele disfarçava com arrogância e sarcasmo ao dizer que não precisava de nada para lutar contra este demônio era na verdade medo de revisitar o passado, voltar ao local da abadia, reencontrar os fantasmas.
A prepotência de Zachary cobrou um preço caro demais, quando eles confrontaram o demônio terminaram por ser derrotados. Wagner foi morto, e agora Zachary estava amaldiçoado e sendo caçado.
Por quase um ano Zachary foi perseguido por este demônio, logo percebeu que tudo isso era um jogo para o monstro, o mesmo devia ter acontecido a Siegel e Wagner. O problema eram os inocentes feridos no meio do conflito, durante este tempo em que foi caçado terminou por envolver muitas pessoas nisso, todos terminaram sendo mortos.
Algumas vezes Zachary imaginava que isso também era parte do plano do demônio, deixar esta trilha de mortos e fantasmas no caminho, fazer com que suas vitimas olhassem para trás e vissem todo o mal que haviam feito, até que não suportassem mais viver com isso e desistissem, sugando toda esperança e vida de uma alma, a torturando até o final.
Não tendo outro caminho a seguir ele decidiu voltar ao lugar onde tudo havia começado, era de certa forma reconfortante que tudo fosse terminar ali também.
A abadia onde Zachary havia sido treinado e criado ficava no topo de uma montanha, no vale que existia abaixo ficava uma vila. Quando houve o incêndio depois de alguns dias os moradores do vale foram até lá, sepultaram os mortos e salvaram algumas coisas, como os livros da biblioteca, que foram levados para a biblioteca da vila.
Já faziam alguns anos que tinha ido embora daquele lugar, havia saído como um garoto e agora com vinte e poucos anos já se achava um homem, mal sabia que ainda aprenderia tantas coisas.
Como a vila não era muito grande e não querendo chamar muita atenção Zachary se disfarçou como um religioso, como um antigo membro da ordem que cuidava da abadia, o que não era uma mentira afinal.
Voltar àquele lugar despertava apenas sentimentos ruins em Zachary, remorso, culpa, ódio, desejo de vingança, cansaço, vontade de se entregar e desistir.
Tentando ignorar tudo isso e imaginando isto como seu último trabalho ele se dirigiu até a biblioteca da cidade. Esperava encontrar lá alguma forma de combater aquele demônio que parecia imune a todas as outras coisas.
Ao adentrar na biblioteca logo percebeu o enorme trabalho que teria, os livros estavam dispersos por vários setores, sem tempo para desperdiçar Zachary começou a procura, em alguns dos antigos tomos sobre exorcismos medievais devia encontrar algo que o ajudasse.
Quando já estava há quase uma semana lá, indo todo dia a biblioteca, chegando assim que ela abria e saindo apenas quando ela fechava, Zachary foi interrompido no meio de sua leitura.
A bibliotecária que cuidava do lugar tinha vindo até ele oferecendo uma xícara de café, provavelmente tinha percebido o cansaço de Zachary e a aparência de quem não dorme já a alguns dias. Embora já tivesse reparado nela algumas vezes ele preferia a ignorar, aceitou o café e agradeceu secamente.
No dia seguinte novamente ela veio falar com ele, perguntar se poderia ajudar em algo, ele passava os dias procurando algo especifico em um livro, como ela havia catalogado boa parte dos livros talvez pudesse o ajudar.
Zachary não gostava dela, começava a se irritar com a presença dela, mas sabendo que não tinha muito tempo ate ser novamente atacado pelo demônio que o caçava decidiu aceitar a ajuda da garota. Ela chamava-se Amanda.
Nos dois dias seguintes ela ficou ajudando Zachary, eventualmente eles começaram a conversar. Logo ele percebeu que Amanda era diferente.
Enquanto a maioria das pessoas vê apenas o que quer, fechando os olhos para verdades e coisas aparentes, ela não era como todos, se preocupava, tentando enxergar por trás dos fingimentos.
Mesmo que Zachary tentasse demonstrar o contrário ela podia ver como ele realmente estava, e ele não estava bem. Por mais que as pessoas tentem esconder se realmente quisermos podemos ver através da máscara, perceber como elas realmente estão, fazer isso significa que nos importamos.
A pergunta tão sincera e que parecia demonstrar preocupação real surpreenderam Zachary, ele havia sido criado de modo a achar que devia sempre esconder seus sentimentos, enterrá-los fundo para que nunca fossem usados contra ele.
Confuso com aquilo Zachary terminou por discutir com Amanda e ir embora. Parte dele queria poder se abrir com ela, desenterrar todos aqueles sentimentos presos há tanto tempo, tudo aquilo que oprimia seu peito. De alguma forma ela já havia se tornado especial para ele.  Estando prestes a ir embora da cidade ele decidiu voltar.
Perto da biblioteca Zachary logo sentiu que havia algo errado, o demônio o havia seguido até lá e, havia possuído Amanda, e agora estava usando para o ameaçar . Vendo aquilo o coração dele se tornou forte novamente, ele precisava salvá-la.
O demônio percebeu que Zachary estava diferente, não se podiam mais ver buracos em seu coração, estava totalmente decidido. A única coisa que podia fazer era usar Amanda para tentar desestabilizá-lo. Mas o que Zachary fez a seguir surpreendeu ate mesmo o demônio.
O exorcista não tinha ido apenas tentar descobrir algum exorcismo capaz de derrotá-lo, também estava determinado a descobrir o nome do demônio. Evocando o verdadeiro nome dele, Malthus, Zachary fez com que o demônio saísse de Amanda e o possuísse.
Isto surpreendeu o demônio que esperava que Zachary tentasse exorcizá-lo sem se importar com Amanda. Mas ele havia mudado naqueles poucos dias, começado a descobrir que ao invés de se fechar deveria abrir seu coração para conseguir confrontar aquele monstro.
Apesar de já ser um grande exorcista na época, mesmo Zachary não poderia enfrentar aquele demônio, que tomaria o seu corpo, o máximo que ele podia fazer era tentar atrasá-lo, lutar enquanto pudesse.
E era exatamente o que Malthus esperava, a resistência, a luta, para que pudesse se divertir torturando sua vítima, dando-lhe falsas esperanças de vitórias apenas para as tomar em seguida. Entretanto, algo que ele não esperava aconteceu.
Malthus, o poderoso demônio que há séculos andava pela terra estava sendo vencido, sentia-se enfraquecido, sabia que estava sendo mandado de volta ao inferno. Quando ele finalmente percebeu o que estava havendo já era tarde para que pudesse tentar algo, estava ainda a lutar dentro do corpo de Zachary.
Amanda ainda estava um pouco confusa quando o demônio saiu de seu corpo e foi para Zachary, que desmaiou. Mas logo que ela se aproximou dele viu que havia um papel amassado em sua mão, quando o pegou logo entendeu.
Embora estivesse muito nervosa e ainda atordoada Amanda começou a ler: Ergo, draco maledicte et omnis legio diabolica, adjuramus te per Deum vivum, per Deum verum, per Deum  sanctum, per Deum qui sic dilexit mundum, sed habeat vitam æternam: cessa decipere humanas creaturas, eisque æternæ perditionìs venenum propinare: desine Ecclesiæ nocere, et ejus libertati laqueos injicere. Vade, satana, inventor et magister omnis fallaciæ, hostis humanæ salutis. Humiliare sub potenti manu Dei; contremisce et effuge, invocato a nobis sancto et terribili, quem inferi tremunt, cui Virtutes cælorum et Potestates et Dominationes subjectæ sunt; quem Cherubim et Seraphim indefessis vocibus laudant, dicentes: Domine, exaudi orationem meam.


O exorcismo de Amanda funcionou e Malthus foi enviado para o inferno, apesar de alguma confusão e cansaço Zachary parecia bem. Para surpresa dela ele disse: Obrigado por me salvar.

2 comments:

  1. Temos a história de Zach, Mark ficará agora a saber o passado do seu avô, ele estava muito abalado com a perda de Holger, mas agora temos a entrada de Amanda, gostei dela, faz um belo par com o Zachary.
    Adorei a parte do ritual, o capítulo ficou muito bom =P

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  2. Creio que os laços com o neto poderão voltar a se estreitar, sem mais desconfiança, quando o Zachary terminar de contar sua história. Bom, pelo menos espero que o Mark venha a entender ^^
    Era de se esperar que o passado ainda o "machucasse", afinal, ele e os outros rapazes passaram por péssimas experiências na abadia.
    A morte de Holger pareceu o abalar muito, tanto que deu para notar que ele havia se fechado. Ainda bem que Amanda apareceu na vida dele, ao meu ver, ela foi como uma grande luz em meio às trevas que ele vivia.
    Aliás, essa parte que utilizou no exorcismo é do Ritual Romano? o.o
    Assim como os outros, esse capítulo também ficou show! :D Estou curiosa em relação ao pai do Mark, em que parte ele entraria nessa história do Zachary.
    Enfim, aguardo pelo próximo capítulo!

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