Zachary respira profundamente, por mais
que tivesse imaginado este momento algumas vezes a dificuldade não era menor. O
passado é um lugar perigoso para se visitar, entre lembranças felizes e
memórias dolorosas é fácil ficar perdido, se não tiver cuidado pode-se terminar
vivendo apenas em função dele.
Ele começou a contar a história a partir
do seu próprio passado, não sabia ao certo o porquê disso, se queria apenas
adiar mais um pouco a verdade ou se queria dividir com Mark aquelas lembranças
como uma forma de fazê-lo voltar a confiar nele.
Começou a contar a partir do incêndio na
abadia onde seu irmão Holger morreu. Zachary tinha ficado devastado, na sua
frente seu passado e presente, tudo que ele era reduzido a cinzas, o futuro
parecia vazio, tudo havia ido embora.
Os outros garotos procuraram Zachary,
queriam que ele os liderasse, os dissesse o que fazer, mas ele se sentia
perdido, não conseguia encontrar o próprio caminho, e também não se importava
com o destino dos outros, com o destino de ninguém.
Por alguns meses ele apenas vagou sem
rumo, até chegar a uma cidade onde ele encontrou uma garota possuída por um
demônio. Zachary sabia o que fazer, com alguma sorte conseguiu exorcizar o
demônio sem matar a garota, o padre então o enviou até um bispo, a Igreja
precisava dos serviços de um exorcista como ele.
Por alguns anos ele viveu desta forma,
trabalhando para a Igreja. Zachary não fazia aquilo para ajudar as pessoas, o
único motivo para continuar com aquilo era pelo dinheiro, e pela vingança. Com
o tempo ele havia pesquisado técnicas antigas e criado as suas próprias, ele
conseguia torturar demônios.
Não importava se isto no final matava ou
levava a loucura todas as pessoas que haviam sido possuídas, torturar aqueles
demônios era a única coisa que dava prazer a Zachary. Embora soubesse que
aquilo era manchar a memória de Holger ele não conseguia parar, estava preso a
um mundo de ódio. Se o passado não tivesse vindo até ele talvez ele teria se
perdido para sempre.
Um dia ele foi procurado por outro
garoto, do grupo de seis que foi treinado na abadia, Holger e Krauser estavam
mortos, Jacob havia desaparecido, apenas Wagner e Siegel permaneceram juntos,
haviam sido eles que tinham pedido para Zachary os liderar.
Wagner e Siegel tinham seguido um
caminho parecido com o de Zachary eram exorcistas, e este era o motivo de
Wagner ter procurado-o, Siegel estava morto e ele sendo caçado, haviam
encontrado um demônio forte demais.
Wagner estava lá implorando pela ajuda
de Zachary, talvez juntos eles conseguissem se salvar. Wagner dizia que no
incêndio da abadia nem tudo havia sido consumido, por ficar em uma área mais
isolada boa parte da biblioteca tinha ficado intacta. Lá eles poderiam
encontrar alguma ajuda, algum ritual de amarração ou contenção, qualquer coisa
que mandasse aquilo de volta para o inferno.
Zachary estava prestes a mandá-lo embora
e dizer que aquilo não era problema dele, mas então se lembrou do sobrenome que
tinha adotado para si, Holger. Decidiu ajudar Wagner, mas o que ele disfarçava
com arrogância e sarcasmo ao dizer que não precisava de nada para lutar contra
este demônio era na verdade medo de revisitar o passado, voltar ao local da
abadia, reencontrar os fantasmas.
A prepotência de Zachary cobrou um preço
caro demais, quando eles confrontaram o demônio terminaram por ser derrotados.
Wagner foi morto, e agora Zachary estava amaldiçoado e sendo caçado.
Por quase um ano Zachary foi perseguido
por este demônio, logo percebeu que tudo isso era um jogo para o monstro, o
mesmo devia ter acontecido a Siegel e Wagner. O problema eram os inocentes
feridos no meio do conflito, durante este tempo em que foi caçado terminou por
envolver muitas pessoas nisso, todos terminaram sendo mortos.
Algumas vezes Zachary imaginava que isso
também era parte do plano do demônio, deixar esta trilha de mortos e fantasmas
no caminho, fazer com que suas vitimas olhassem para trás e vissem todo o mal
que haviam feito, até que não suportassem mais viver com isso e desistissem,
sugando toda esperança e vida de uma alma, a torturando até o final.
Não tendo outro caminho a seguir ele
decidiu voltar ao lugar onde tudo havia começado, era de certa forma
reconfortante que tudo fosse terminar ali também.
A abadia onde Zachary havia sido
treinado e criado ficava no topo de uma montanha, no vale que existia abaixo
ficava uma vila. Quando houve o incêndio depois de alguns dias os moradores do
vale foram até lá, sepultaram os mortos e salvaram algumas coisas, como os
livros da biblioteca, que foram levados para a biblioteca da vila.
Já faziam alguns anos que tinha ido
embora daquele lugar, havia saído como um garoto e agora com vinte e poucos
anos já se achava um homem, mal sabia que ainda aprenderia tantas coisas.
Como a vila não era muito grande e não
querendo chamar muita atenção Zachary se disfarçou como um religioso, como um
antigo membro da ordem que cuidava da abadia, o que não era uma mentira afinal.
Voltar àquele lugar despertava apenas
sentimentos ruins em Zachary, remorso, culpa, ódio, desejo de vingança,
cansaço, vontade de se entregar e desistir.
Tentando ignorar tudo isso e imaginando
isto como seu último trabalho ele se dirigiu até a biblioteca da cidade.
Esperava encontrar lá alguma forma de combater aquele demônio que parecia imune
a todas as outras coisas.
Ao adentrar na biblioteca logo percebeu
o enorme trabalho que teria, os livros estavam dispersos por vários setores,
sem tempo para desperdiçar Zachary começou a procura, em alguns dos antigos
tomos sobre exorcismos medievais devia encontrar algo que o ajudasse.
Quando já estava há quase uma semana lá,
indo todo dia a biblioteca, chegando assim que ela abria e saindo apenas quando
ela fechava, Zachary foi interrompido no meio de sua leitura.
A bibliotecária que cuidava do lugar
tinha vindo até ele oferecendo uma xícara de café, provavelmente tinha
percebido o cansaço de Zachary e a aparência de quem não dorme já a alguns
dias. Embora já tivesse reparado nela algumas vezes ele preferia a ignorar,
aceitou o café e agradeceu secamente.
No dia seguinte novamente ela veio falar
com ele, perguntar se poderia ajudar em algo, ele passava os dias procurando
algo especifico em um livro, como ela havia catalogado boa parte dos livros
talvez pudesse o ajudar.
Zachary não gostava dela, começava a se
irritar com a presença dela, mas sabendo que não tinha muito tempo ate ser
novamente atacado pelo demônio que o caçava decidiu aceitar a ajuda da garota. Ela
chamava-se Amanda.
Nos dois dias seguintes ela ficou
ajudando Zachary, eventualmente eles começaram a conversar. Logo ele percebeu
que Amanda era diferente.
Enquanto a maioria das pessoas vê apenas
o que quer, fechando os olhos para verdades e coisas aparentes, ela não era
como todos, se preocupava, tentando enxergar por trás dos fingimentos.
Mesmo que Zachary tentasse demonstrar o
contrário ela podia ver como ele realmente estava, e ele não estava bem. Por
mais que as pessoas tentem esconder se realmente quisermos podemos ver através
da máscara, perceber como elas realmente estão, fazer isso significa que nos
importamos.
A pergunta tão sincera e que parecia
demonstrar preocupação real surpreenderam Zachary, ele havia sido criado de
modo a achar que devia sempre esconder seus sentimentos, enterrá-los fundo para
que nunca fossem usados contra ele.
Confuso com aquilo Zachary terminou por
discutir com Amanda e ir embora. Parte dele queria poder se abrir com ela,
desenterrar todos aqueles sentimentos presos há tanto tempo, tudo aquilo que
oprimia seu peito. De alguma forma ela já havia se tornado especial para ele. Estando prestes a ir embora da cidade ele
decidiu voltar.
Perto da biblioteca Zachary logo sentiu
que havia algo errado, o demônio o havia seguido até lá e, havia possuído
Amanda, e agora estava usando para o ameaçar . Vendo aquilo o coração dele se
tornou forte novamente, ele precisava salvá-la.
O demônio percebeu que Zachary estava
diferente, não se podiam mais ver buracos em seu coração, estava totalmente
decidido. A única coisa que podia fazer era usar Amanda para tentar desestabilizá-lo.
Mas o que Zachary fez a seguir surpreendeu ate mesmo o demônio.
O exorcista não tinha ido apenas tentar
descobrir algum exorcismo capaz de derrotá-lo, também estava determinado a
descobrir o nome do demônio. Evocando o verdadeiro nome dele, Malthus, Zachary
fez com que o demônio saísse de Amanda e o possuísse.
Isto surpreendeu o demônio que esperava
que Zachary tentasse exorcizá-lo sem se importar com Amanda. Mas ele havia
mudado naqueles poucos dias, começado a descobrir que ao invés de se fechar
deveria abrir seu coração para conseguir confrontar aquele monstro.
Apesar de já ser um grande exorcista na
época, mesmo Zachary não poderia enfrentar aquele demônio, que tomaria o seu
corpo, o máximo que ele podia fazer era tentar atrasá-lo, lutar enquanto
pudesse.
E era exatamente o que Malthus esperava,
a resistência, a luta, para que pudesse se divertir torturando sua vítima,
dando-lhe falsas esperanças de vitórias apenas para as tomar em seguida.
Entretanto, algo que ele não esperava aconteceu.
Malthus, o poderoso demônio que há
séculos andava pela terra estava sendo vencido, sentia-se enfraquecido, sabia
que estava sendo mandado de volta ao inferno. Quando ele finalmente percebeu o
que estava havendo já era tarde para que pudesse tentar algo, estava ainda a
lutar dentro do corpo de Zachary.
Amanda ainda estava um pouco confusa
quando o demônio saiu de seu corpo e foi para Zachary, que desmaiou. Mas logo
que ela se aproximou dele viu que havia um papel amassado em sua mão, quando o
pegou logo entendeu.
Embora estivesse muito nervosa e ainda
atordoada Amanda começou a ler: Ergo,
draco maledicte et omnis legio diabolica, adjuramus te per Deum vivum, per Deum
verum, per Deum sanctum, per Deum qui
sic dilexit mundum, sed habeat vitam æternam: cessa decipere humanas creaturas,
eisque æternæ perditionìs venenum propinare: desine Ecclesiæ nocere, et ejus
libertati laqueos injicere. Vade, satana, inventor et magister omnis fallaciæ,
hostis humanæ salutis. Humiliare sub potenti manu Dei; contremisce et effuge,
invocato a nobis sancto et terribili, quem inferi tremunt, cui Virtutes cælorum
et Potestates et Dominationes subjectæ sunt; quem Cherubim et Seraphim
indefessis vocibus laudant, dicentes: Domine, exaudi orationem meam.
O exorcismo de Amanda funcionou e
Malthus foi enviado para o inferno, apesar de alguma confusão e cansaço Zachary
parecia bem. Para surpresa dela ele disse: Obrigado por me salvar.
Temos a história de Zach, Mark ficará agora a saber o passado do seu avô, ele estava muito abalado com a perda de Holger, mas agora temos a entrada de Amanda, gostei dela, faz um belo par com o Zachary.
ReplyDeleteAdorei a parte do ritual, o capítulo ficou muito bom =P
Creio que os laços com o neto poderão voltar a se estreitar, sem mais desconfiança, quando o Zachary terminar de contar sua história. Bom, pelo menos espero que o Mark venha a entender ^^
ReplyDeleteEra de se esperar que o passado ainda o "machucasse", afinal, ele e os outros rapazes passaram por péssimas experiências na abadia.
A morte de Holger pareceu o abalar muito, tanto que deu para notar que ele havia se fechado. Ainda bem que Amanda apareceu na vida dele, ao meu ver, ela foi como uma grande luz em meio às trevas que ele vivia.
Aliás, essa parte que utilizou no exorcismo é do Ritual Romano? o.o
Assim como os outros, esse capítulo também ficou show! :D Estou curiosa em relação ao pai do Mark, em que parte ele entraria nessa história do Zachary.
Enfim, aguardo pelo próximo capítulo!