Capítulo 99 - A fortaleza que tudo suporta

Colocando todo o seu orgulho como espadachim, e todo o seu orgulho como humano lutando contra divindades para proteger seu mundo, sua concentração estava no máximo, ele estava determinado, focado, cada ataque continha toda a sua força, cada um deles devia ter sido um golpe letal, mas mesmo assim não era o suficiente.

Os ataques de Ravel sempre acertavam, ele era muito veloz, com um movimento mudava o fluxo de seus ataques e atingia Camael em um ponto cego, mas os golpes não surtiam efeito, a pele dela parecia ser tão resistente quanto diamante.

A parte de trás do joelho, a nunca, o peito, os olhos, por todo o corpo Camael foi atingida, e mesmo assim sequer era possível ver um arranhão. Durante algum tempo ela apenas assistiu e permitiu todos os ataques de Ravel, aquilo era para lhe mostrar a diferença de poder entre eles, que ele poderia permanecer atacando-a por toda a eternidade e mesmo assim nunca conseguiria vencê-la.

Desde o inicio da luta ao ver que todos os seus golpes eram repelidos Ravel começou a pensar que o corpo dela era o mais forte escudo, mas se ela decidisse usá-lo como arma seria também a mais poderosa espada, e foi exatamente o que aconteceu.

Depois de demonstrar a futilidade de cada um dos ataques dele, Camael partiu para a ofensiva, com grande violência ela atacava, cada soco destruía o solo ou as paredes que eram atingidos, Ravel usava sua agilidade para se esquivar, mas agora que ela estava séria e reagindo ele corria um grande risco a cada ataque que tentasse.

Enfrentar alguém que pode se dar ao luxo de ser acertado indefinidamente, e que precisa de apenas um contra-ataque para matá-lo. As chances estavam todas contra Ravel, ele tentava pensar em estratégias, mas a cada ataque falhado ele apenas via sua espada perdendo o fio, nesse ritmo ela logo se quebraria e ele ficaria indefeso.   

É por isso que vocês humanos não merecem a salvação, eu olho para você e já começo a ver a fraqueza surgir, começa a se perguntar se este esforço valerá a pena, se tem alguma chance de me vencer. A verdade é que não tem. – disse Camael

– Sempre que olho para vocês humanos é o que vejo, fraqueza, uma determinação fraca que pode ser dobrada diante de qualquer dificuldade, seus corações não são retos, para ser forte, lutar com todo o seu ser por algo é preciso abdicar de si mesmo, entregar-se ao que se acredita.

– Mas para isso é preciso esquecer-se de si mesmo, seus desejos, suas vontades, tudo deve ser deixado para trás, mas vocês humanos são egoístas demais para compreender isto, é por isso que nunca encontrarão a verdadeira fortaleza. O estado de espírito que nos faz sempre perseverar e seguir em frente, aquele que nunca se quebra.

Ravel apenas abaixou a cabeça, sabia que não podia contestar aquilo, que cada uma daquelas palavras era verdade, seres humanos são falhos, cometem erros, sentem medo, se acovardam diante das dificuldades, mentem para se proteger.

Este estado de espírito tão iluminado de que Camael falava, talvez seja algo impossível para humanos, quem sabe uns poucos santos ao longo de toda a historia o conseguiram, mas Ravel não era um deles, havia sangue demais em suas mãos, havia muito que ele próprio se julgava além de qualquer salvação.

Qual era o ponto então? Se aquilo era o exigido para se chegar a salvação era um jogo perdido desde o inicio, era apenas sadismo, nos fazer correr atrás de algo que nunca iríamos poder alcançar. Qual o sentido de tudo isso?  

Menos de cinco segundos, este foi o tempo em que estas coisas passaram pela mente de Ravel, estes instantes que passaram tão rápido quanto um piscar de olhos foram o suficiente para que ele fosse atingido por Camael.

Aquele punho duro como diamante acerta seu corpo, costelas quebradas, órgãos perfurados por fragmentos de ossos, hemorragia interna. Por onze vezes ele havia a golpeada sem conseguir nada, com um único ataque ela tinha o deixado a beira da morte, se não tivesse direcionado sua energia espiritual para proteger seu corpo teria morrido com aquele único ataque.

Cada respiração era difícil, um dos pulmões parecia ter sido furado, era o fim.

Mas nesse momento ele começa a rir enquanto se levanta usando sua espada como apoio. O escudo mais forte e o ataque mais poderoso, era contra isso que ele estava lutando, pensando a respeito ele não conseguia encontrar um modo de vencer, ainda mais agora como o seu corpo estava, ele não podia derrotá-la.

É neste momento que ele se da conta, ele não tinha ido ate lá para lutar com ela e a vencer, ele não precisava descobrir como vencê-la, só precisava descobrir como não perder.

Um último ataque, ele ainda conseguia fazer isso, não conseguia tomar muito fôlego para se preparar para o golpe, buscava o ar, mas este não vinha, respirava como alguém se afogando, mas ao invés de água era sangue que preenchia seus pulmões. Correndo em direção a Camael ele se preparou para o ataque final.

A anjo olhava para ele com desprezo, era um homem que estava quebrada, ia tentar uma morte gloriosa ao invés de implorar para não ser morto, ele não era o pior que ela já tinha visto, mas também não era o melhor.

Avançando contra ela com olhos determinados, Ravel era incapaz ate mesmo de gritar, no último instante ele solta sua espada, Camael fica confusa, ele tinha se acovardado no final, suas forças o haviam traído e nem tinha sido capaz de dar outro ataque, qual o sentido daquilo?

Ravel queria apenas enganá-la, ele crava a espada no chão e a usa como impulso para passar por ela, então com o que sobrava de sua energia espiritual ele atira em direção ao receptáculo que ficava no fundo do templo, aquele que precisava ser aceso para criar a passagem em direção ao castelo de Miguel.

O disparo de Ravel não é forte o suficiente para acendê-lo, mas ele não ia terminar daquele modo, ele queima toda sua alma, ele grita enquanto faz um segundo disparo e consegue acender, criando a passagem de luz que formará a ponte. Em seguida ele cai, sem mais forças.

No castelo de Miguel, Orphamiel mostra-se irritado e tenso, esta furioso por ver a terceira parte da ponte sendo formada, os templos da Justiça, Temperança e agora Fortaleza haviam caído, praticamente metade das suas forças de elite tinham sido derrotadas.

Acalme-se meu bom Orphamiel, estas casualidade são algo natural em uma guerra. Estas perdas e na verdade ate maiores do que esta são esperadas. Não é motivo para se preocupar. – disse Miguel

Mas meu senhor, são nossa força de elite, eles estão sendo vencidos e ainda temos que nos preocupar com aquela que herdou a força de Lúcifer. – disse Orphamiel

– Ah, meu mais leal servidor, tu se preocupa demais. Como eu disse já esperava estas perdas, e na verdade ansiava por elas, como tu bem sabe a lealdade dos guardiões das sete virtudes nunca foi totalmente minha, eles cumprem seu papel divino dado por Deus e fazem o que julgam correto, mas a maioria deles pode se voltar contra mim algum dia.

– Então estas derrotas, os mortos e feridos, tudo é parte do seu plano para aniquilar de vez todos os opositores?

– Exatamente, além do mais a força das Virtudes não é algo para se desprezar, mesmo que alguns deles caiam e sejam derrotados, tenho a certeza que os adversários deles não saíram em boas condições da peleja. Mas no final tudo é apenas um grande prelúdio para mim, para o momento em que me tornarei Deus. Além dos mais, acabo de sentir um movimento que me incomoda mais, um jogador que achei estar fora voltou ao jogo.

Em algum lugar do mundo dos homens Rafael aparece, a paisagem é de uma linda encosta no litoral, a frente a imensidão do mar sendo adornado pelos raios de sol, um cenário lindo que parecia com uma pintura. Mas o Arcanjo não estava lá para apreciar a paisagem. Ele buscava aquele que acreditava poder mudar o curso da guerra.

Perdoe-me por interromper seu descanso. – disse Rafael

Afinal é verdade, parece não haver descanso para os condenados. – disse Icelo

– Peço apenas alguns minutos do seu tempo, que me escute e então tome sua decisão.

– Mas eu já tomei, eu aceitei te ouvir. Acredite em mim, pude senti-lo se aproximando, se não quisesse conversar você não teria pousado tão suavemente, teria sido abatido.

– Vejo que conseguiu o que queria, finalmente sua amada Eurídice, pela sua expressão imagino que tenha valido a pena. Parece feliz como nunca o vi.

– Não fique sentimental apenas porque é o fim do mundo Rafael, não combina com você. Achei que assistiria a tudo daquele buraco onde se escondia, lendo seu livro e comendo bolachas enquanto Miguel toma posse de toda a criação.

– Se não puder ficar sentimental no fim de tudo então quando poderemos?

– Não pode. Já teve a sua chance e a perdeu.

– Gostaria que pudéssemos conversar sem ódio e rancor pelo passado.

– Mas o passado nos define, ate certo ponto ele nos trouxe ate aqui, então por mais que tentemos é preciso carregar o peso dele sobre os ombros.

– Eu errei com você Icelo, eu o expulsei e teria exilado se não tivesse havido a guerra para impedir, mas você viu o livro, e usando ele foi capaz de fazer tudo ate aqui, eu quero o mesmo, ser capaz de mudar o destino.

– E quem te disse que ele pode ser mudado? Mesmo quando sabia as respostas antes das perguntas serem feitas isso não ajudava, saber que um furacão esta vindo não o ajuda a combatê-lo, você apenas pode sair do caminho e evitar ser atingido. Mas no fim as coisas sempre vão acontecer como deveriam.

Um longo silêncio se seguiu, Rafael acreditava que Icelo seria sua última esperança, e agora ele dizia não poder ajudar, era inquietante.

Talvez não haja esperança, mas não quer dizer que não se deve tentar. – disse Icelo surpreendendo Rafael

– Agora é hora de agir como herói. – disse ele olhando para Euridice