Capítulo 101 - Uma fé inabalável

Aquele feixe de energia espiritual perfura o peito de Nathaniel, ele cai de joelhos cuspindo sangue, instintivamente ela corre em direção a ele e o segura nos braços, ela olha para o seu rosto e por um momento sente afeto, seu coração aquecer, ela gostaria de segurar o rosto dele entre as mãos e cuidar dele.

No momento seguinte ela tenta voltar a ser racional, identificar quem foi o responsável pelo ataque, mas para sua surpresa não havia sido o anjo guardião Haziel o atacante havia sido Vassago.

Ela fica furiosa ao vê-lo, embora não entenda bem o motivo, tenta se convencer de que era porque Nathaniel era presa dela, ela merecia a honra de matá-lo para vingar a Lúcifer.

O que isso significa Vassago? – questionava Kali

Eu decidi que não respondo mais a você, não tenho mestre, pela primeira vez em muito tempo sou livre, e estou fazendo o que quero. – disse Vassago encarando-a

– Ele matou Lúcifer, é meu direito vingá-lo, você não pode interferir nisso. Dívidas de sangue devem ser cobradas pela família.

– Talvez o direito seja de fato seu, mas não me parecia que você o cumpriria. Eu assisti um pouco, seus golpes eram hesitantes, você se controlava, era como se lutasse consigo mesma e não contra ele. Não sei se seria capaz de matá-lo.

– Não se atreva a questionar meus atos ou minha lealdade. E o que isso significa, não serve mais a mim, então se tornará servo de Miguel? Esta declarando sua traição? 

– Eu não sirvo a ninguém e nunca mais servirei, aquele que era digno já não existe mais, meu objetivo é realizar um último ato como um ser livre, matar Nathaniel, depois eu não sei e não me importo com o que acontecerá comigo.

– Se alguém vai matá-lo serei eu, não vou tolerar interrupções e interferências.

– Se tentar me impedir farei de você minha inimiga também, e não terei piedade em matá-la.

Kali se mostra surpresa, ela sabia que muitos demônios e anjos caídos não confiavam totalmente nela, bem como não respeitavam sua liderança, a seguiram mais por conveniência, porque no fundo queriam esta guerra, queriam o fim de tudo. Entretanto, a traição de Vassago foi uma surpresa, ela esperava contar com a lealdade dele.

Agora ambos se encaravam, observando atentamente os movimentos um do outro, prestes a iniciar um ataque. Mas são interrompidos por Nathaniel que se levanta dos braços de Kali.

Parece que vocês estão discutindo sobre mim, acho que eu poderia tomar parte nisso. – disse Nathaniel

– Katherine, não esqueça que temos outro inimigo em nossa presença, não podemos ignorar Haziel e o objetivo de tudo isto, chegar ate Miguel. Eu proponho que você enfrente o guardião do templo, enquanto isso eu cederei ao desejo de vingança de Vassago e o enfrentarei.

– É o mais lógico e melhor modo de avançar com o nosso objetivo comum de liberar a ponte para poder chegar a Miguel. Eu vejo um olhar preocupado em seu rosto, não se preocupe, minha vida é sua, eu não a entregarei a mais ninguém. Confie em mim.

Kali abaixa o rosto e segue em direção a parte mais interna do templo, onde Haziel meditava em silencio aguardando o desfecho das batalhas.  

Parece ter tomado sua decisão, vejo que tem fé nele para deixá-lo enfrentar Vassago, embora o mesmo possa ser dito sobre ele, que ele possui fé em você, ou não acreditaria que você pode me derrotar. – disse Haziel

– Fé é um conceito muito grande, não se limita a crença religiosa, é sobre depositar suas esperanças em algo e acreditar com todo seu coração, confiar totalmente sem nunca duvidar. Parece-me que vocês possuem fé um no outro. Esses sentimentos são um atraso.

Apesar da aparência de um homem velho era possível ver pela aura dele o quanto era forte, diziam que ele havia sido o primeiro anjo a ser criado, apenas os quatro arcanjos o antecederam, ele representava a fé em Deus.

Haziel acreditava que as pessoas deviam manter sua fé e convicção submetidas a vontade divina. Se Deus pede o sacrifício do teu primogênito tu não deve questionar, deve confiar que aquilo é o melhor.

Laços com outras pessoas apenas atrapalham, afastam de Deus, fazem você o colocar em segundo lugar, Haziel fazia testes com as almas que vinham ate ele, os dava a escolha de matarem seus entes mais queridos dizendo que esta a vontade de Dele, e que se fizesse isto seriam dignos de entrar no céu.

Igualmente ele odiava a todos aqueles que se queixavam de seu destino ou tentavam mudá-lo, para ele isto era intolerável, era preciso aceitar a vontade Dele, o destino era o roteiro traçado por ele para a vida de cada um, um papel determinado para cada pessoa, nesse cenário é óbvio que nem todos serão protagonistas, que muitos vão ter um caminho doloroso e cruel pela frente, mas é preciso aceitar isto com resignação.

Um pai que enterra um filho, um amor perdido, uma amizade destruída, sonhos nunca alcançados, esta é a realidade para a maioria das pessoas, a vida é cruel, existem mais sombras do que luz, mas este é o ponto, a passagem pelo mundo é uma fração insignificante diante da eternidade que vem em seguida.

Na adversidade é preciso mostrar o seu verdadeiro valor, ter a humildade de dobrar os joelhos e rezar para Deus. Persevere na fé e será recompensado com o paraíso. Estas eram as crenças de Haziel e o que ele defendia, a fé que ele exigia para aceitar as almas naquele lugar sagrado.

Isso tornava Kali uma existência maldita para ele, ela sequer deveria existir, já devia estar morta, era Lúcifer que deveria liderar o inferno nesta batalha final, não ela.

Novamente tudo aquilo que Kali já tinha ouvido antes, sobre ela ser um acidente, não ter um lugar no mundo, ser uma existência que apenas causa dor a todos a sua volta, ela estava cansada disso, não toleraria mais que as pessoas a dissessem o que a sua vida significava.

Furiosa ela começa a disparar sua energia de forma descontrolada, atirando esferas de energia em direção a Haziel, que mantém sua posição de lótus meditando e começa a rezar sem parecer se importar com os ataques vindos em sua direção.

Mil cairão ao teu lado, dez mil a tua direita, mas tu não serás atingido. – disse Haziel

Para a surpresa de Kali todos os seus ataques erram o alvo, ela não compreendia aquilo, era impossível, pelo menos um dos golpes deveria tê-lo acertado. Ela começa a imaginar se caiu em uma armadilha, se as orações que ele faz são algum tipo de sugestão hipnótica, ou talvez que ele ataque usando ilusões, aquele templo tinha incensos queimando, a luz que passava pelos vitrais era estranha, algo podia estar alterando a percepção dela, confundindo seus sentidos.

Sempre tão obvio, aqueles que se recusam a crer tentam fugir do que veem buscando explicações racionais, tentando entender com a mente, quando deveriam apenas glorificar e rejubilar-se por ter assistido um milagre. Não existe truque minha jovem. – disse Haziel

– Ninguém toca no ungido do senhor. Acredito que conheça a historia de Daniel narrada na bíblia, aquele que foi atirado em uma fornalha e sai ileso, que depois foi atirado a cova dos leões, mas estes não o fizeram mal porque o Senhor era com ele.

– Eu fui abençoado por Ele com um toque divino que me protege de tudo, eu não posso ser tocado. Não importa o que faça nunca poderá me atingir.

Kali fica chocada com aquilo, poderia ser possível tal coisa? Será que aquele anjo dizia a verdade? Se ele realmente não pudesse ser atacado como ela venceria aquilo? Como avançaria diante dessa parede intransponível?

Ela tentava não pensar nisso, ela devia apenas atacá-lo e eventualmente conseguiria acertá-lo, devia ser apenas algum tipo de barreira de proteção ou algo do tipo, se ela atingisse com força total conseguiria derrotá-lo.

Desse modo ela seguia com suas investidas, disparava sua energia em direção a ele, mas no último momento o golpe mudava de direção e não o acertava, ela tentou então acertar o que estava ao redor dele, se atingisse o teto e as paredes os escombros, desse modo, atacando-o indiretamente poderia ser possível, ela imaginou. 

Contudo, sua iniciativa não teve êxito. Kali não se rendia e seguia tentando, desta vez com ataques físicos, ela se aproximou dele com sua grande velocidade e tentou atingi-lo, todos os golpes que tentou falharam, a centímetros dele e mesmo assim não o atingiam.

Ela rangia os dentes, estava explodindo de raiva por ser incapaz e o acertar, ela nem mesmo conseguiu o tirar da sua meditação. Não fazia sentido, ela tinha a força de Lúcifer, apenas Miguel deveria ser capaz de fazer frente a força que possuía agora, e mesmo assim ela se via impotente diante de Haziel.

Talvez fosse verdade tudo que ele tinha dito, e se realmente ele fosse intocável, ele era o primeiro anjo criado por Deus, aquele que mais tinha fé Nele, era possível que Haziel realmente tivesse sido abençoado se tornando invulnerável. Esta podia ser uma batalha que Kali não poderia vencer.