Capítulo 76 - Sonhando com o paraíso

Amon mudava de forma e se transformava em Icelo, Berith não podia acreditar no que estava vendo, ele tinha sido enganado de novo. Ele começou a questionar o que estava acontecendo, qual parte daquilo era real.

Então Icelo começou a explicar, contar que havia realmente existido um anjo chamado Amon, que o próprio Icelo o tinha matado antes mesmo da guerra, como era algo que ninguém mais sabia ele decidiu usar isto a seu favor.

Usando seus grandes poderes de ilusão e manipulação ele fez todos acreditarem que Amon ainda estava vivo e tinha juntado-se a Lúcifer, tornando-se ate mesmo um dos guardiões dos círculos. 

Berith entendeu rapidamente o resto do plano de Icelo, não era apenas ter um espião no inferno e alguém espionando Lúcifer, era mais do que isso, era conseguir esconder uma árvore no meio de uma floresta. Ele usava o próprio oitavo círculo para esconder parte das almas que tinha coletado ao longo dos séculos.

Se eu o entregar para Lúcifer, se levar sua cabeça de presente para ele talvez tenha uma chance e seja perdoado. Minha única chance de escapar disso é matando você. – disse Berith

Não parece ter remorsos por ter que fazer. Mas eu entendo, você ter que matar aquele que te enganou duas vezes, que te fez ser humilhado na frente de Lúcifer. Diga-me, como é se sentir manipulado? Como é sentir que é apenas uma peça sendo movida de acordo com a vontade de alguém que lhe é superior? – perguntou Icelo

Ele queria deixar Berith irritado, e havia conseguido. O anjo caído começou a atacar com suas adagas, atirando-as para cima e fazendo com que se multiplicassem, em seguida as controlava por pequenos fios quase invisíveis.

Usando sua espada Icelo conseguia desviar a maioria dos ataques, ele mostrava muito rápido e hábil na esquiva, tentava se aproximar de Berith para golpeá-lo, mas o anjo caído sempre usava ataques múltiplos, era impossível de se aproximar.

Aquela era sua tática de combate, ataques a distância, ele não tolerava ser ferido ou tocado durante as lutas, considerava que um verdadeiro guerreiro tem de sair do campo de batalha sem qualquer ferimento, apenas isso podia ser considerado uma vitoria total.

Embora Icelo não conseguisse se aproximar dele, também não era acertado, levando a luta a uma situação de impasse, por mais adagas que Berith atirasse não conseguia acertar, ate que algo desequilibrou a luta.

Quando tentou se esquivar Icelo não conseguiu, ele havia esbarrado em alguma coisa, foi então que três adagas atingiram sua perna esquerda.

Ao invés de mirar em um ponto vital Berith preferiu limitar os movimentos dele, só matá-lo nunca seria o suficiente, era preciso o quebrar totalmente, o humilhar, o fazer se arrepender por ter tentado enganá-lo.

O ferimento na perna limitava os movimentos dele, agora ele já não podia usar sua velocidade para se esquivar, apenas ficava parado e parava todos os ataques usando sua espada, mais de cem adagas e ele conseguiu segurar todas. Ate que teve seus movimentos travados, foi quando percebeu a real estratégia de Berith.

Cada adaga estava amarrada por um pequeno fio quase invisível, através disso Berith as controlava, mas fazia mais do que isso, nos sucessivos ataques que tinha feito as linhas foram sendo espalhadas por todo o cenário, como uma aranha lentamente tecendo sua teia ao redor da vítima, que é incapaz de perceber o que esta acontecendo ate que seja tarde  demais.

O demônio dos sonhos viu-se preso, os fios da teia eram muito resistentes, embora fizesse grande força não conseguia se desvencilhar deles, agora ele era alvo fácil para Berith. Sem piedade o anjo caído atacou, dezenas de adagas em direção a Icelo, perfurando seu corpo, mostrando resistência ele se recusava a gritar, embora sangrasse por todo o corpo.

A situação divertia Berith, ele queria aproveitar cada momento, agora atirava usando as próprias mãos, fazendo tiro ao alvo em Icelo, ficando uma adaga no lado direito do seu peito, ele começava a ficar tonto, a perda de sangue era muito grande. Mas ainda não era o suficiente para o anjo caído.

Ele então pegou a espada de Icelo, que este tinha derrubado, Berith tinha vislumbrado o poder da Phobetor ao assistir a luta com Orobas, ele queria fazê-lo sofrer o mesmo, então fincou a espada no peito de Icelo. Mesmo preso ele começo a se debater, suava, parecia estar tendo alucinações terríveis.

Após algum tempo ele para de se debater, parece ter desmaiado, Berith ate pensa que ele pode ter morrido, mas ele levanta a cabeça, sua expressão intimida o anjo caído, não parece mais aquele palhaço sádico, agora parecia um monstro.

Ele tinha mostrado uma absurda força mental para resistir ao golpe e quebrar aquele pesadelo, conseguir por conta própria sair daquele transe.

Elevando sua energia espiritual ele arrebenta os fios que o prendiam, tentando contra-atacar Berith novamente ataca com centenas de adagas, mas elas caem no solo antes de tocar em Icelo, a energia dele é tão intensa que os ataques são incapazes de o atingir. 

Não devia ter feito isso Berith, acho que você realmente me subestimou, será que se esqueceu que eu era um dos quatro cavaleiros membros da guarda real de Lúcifer? – disse Icelo

– Nossa luta apenas estava equilibrada porque eu limitei meus poderes, não queria usa-los para não ser descoberto por Lúcifer. Mas você conseguiu me irritar o suficiente para que eu os liberasse.

– Você disse que eu já tinha o humilhado duas vezes, pois bem, aqui esta a terceira, vou vencê-lo usando apenas metade da minha força.

– A quarta humilhação será retribuir o favor, você me atacou com minha própria técnica, eu o vencerei usando seu golpe especial.

– Por fim, vou humilhá-lo pela quinta vez porque vou deixá-lo vivo, vou fazer você implorar pela vida, mas não vou te matar, quero que sinta o desespero, que fique dividido entre tirar sua própria ou encarar a fúria de Lúcifer.

Berith finalmente sentiu a diferença de força entre eles, percebeu o quanto tinha sido arrogante em desafiar Icelo, ele sentiu medo. Lentamente o demônio dos sonhos caminhava ate ele, o anjo caído atacava desesperadamente tentando o afastar, mas era inútil, todos os seus ataques eram incapazes de atingi-lo.

Sua técnica é patética, depois de vê-lo usar por duas vezes já havia percebido como ela funciona, apenas seis das adagas são reais, as outras são ilusões, você mistura as verdadeiras do meio das ilusões, se encontrar alguém mentalmente mais fraco que você ate mesmo as ilusões podem o ferir. – disse Icelo

– Mas você sabe que não é o caso, eu sou superior a você.

Icelo segurou então as seis adagas atiradas contra ele, com um movimento brusco ele as puxou de volta quebrando os dedos de Berith, ele gritava de dor.

Usando as adagas dele Icelo preparou o ataque final, enquanto Berith podia atacar com uma centena de adagas, o demônio dos sonhos foi capaz de produzir mil delas, lentamente elas caiam enegrecendo o céu.

Berith já não tinha reação, apenas um grito lancinante ao sentir aquelas adagas o atingirem, após o ataque ele ficou no chão, envolto em uma enorme poça de sangue, balbuciava palavras que Icelo ignorava, ate ouvir o que queria.

Por favor, termine isso, me mate. – implorava Berith

Não. – disse Icelo maldosamente

Antes de ir embora ele foi ate onde estava sua espada e a pegou, fez um pequeno corte em seu braço que o fez novamente ver seu pior pesadelo, eram imagens confusas, desconexas, via-se o rosto de uma bela mulher, via-se todo o mundo a arder, um cenário de destruição, Miguel e Lúcifer lutando. E Icelo assassinando Mark.

Como um guerreiro que mexe com venenos se adapta a eles e se torna imune, do mesmo modo Icelo tinha manipulado tanto a matéria dos sonhos que estava se tornando incapaz de sentir pesadelos.

Era por isso que tinha ficado tão furioso com o ataque de Berith, porque ele se viu confrontado com essa terrível, que cada vez menos era afetado pelos pesadelos, e isso o deprimia, porque significava que também estava se tornando incapaz de sonhar.

O que ele fazia era totalmente antinatural, anjos deviam ser incapazes de sonhar, mas ao ir para o mundo dos sonhos Icelo manipulou o tecido dos sonhos, durante milênios estudou isso para ser capaz de controlá-los e usar como armas, sua espada, Phobetor, era capaz de induzir a sonhos ou pesadelos quem fosse atingido por sua lâmina.

Icelo tinha ferido a si mesmo várias vezes para ser capaz de testar os efeitos da espada, isso o estava tornando imune a sonhos, logo ele sequer seria capaz de retornar ao mundo dos sonhos.

O que o incomodava não era o medo de não poder mais se esconder de Lúcifer e Miguel, ele não temia batalhas, ele realmente lamentava estar se tornando incapaz de sonhar com ela. Sem importar-se com Berith, que estava desmaiado, ele chorou naquele lugar.

Caindo de joelhos, socando o chão com força, gritando, sentindo o peso de todos os seus atos, sentindo sua fé falhar depois de outra luta e do preço que teve que pagar para superar isto.

Mas logo foi perturbado e tirado de seu delírio, sentia uma batalha muito intensa acontecendo no quinto círculo, talvez aquilo fosse demais para Dante, ele podia não estar pronto ainda, Icelo não podia se dar ao luxo de perdê-lo agora, com as almas roubadas dos círculos de Orobas, Berith, as que estavam no círculo de Amon, e as de Paimon deveria ser o suficiente para o seu objetivo.

Faltava apenas ir buscar Dante, então poderia dar seguimento ao seu plano.