Capítulo 52 - O mundo que eu quero salvar

Mark e Simone imediatamente sentiram a morte de Strauss, sua presença desaparecendo lentamente enquanto sua alma abandonava este mundo.

O desejo de Mark era voltar e confrontar Ravel e todo o seu exercito se fosse necessário, ele queria vingar Strauss, mas foi detido por Zachary e Simone. Eles diziam que ele precisava respeitar o desejo de Strauss, que tinha ficado para trás e se sacrificado porque tinha seus próprios objetivos a cumprir, assim como Mark tinha sua própria jornada.

Enquanto eles conversavam Icelo abre um portal para o inferno e os convida para segui-lo. Era para isso que o haviam chamado, para que ele os guiasse ate onde não podiam ir sem ajuda. Mark então avançou para dentro do portal sendo seguido por todos os outros.

Quando entrou no portal Mark caiu e começou a gritar, seu sangue começou a brilhar, era como se tivesse cor de ouro. Simone e Dante se preparavam para atacar Icelo, mas foram impedidos por Zachary.

O que estava acontecendo não tinha relação com Icelo, era uma magia chamada Herança de Sangue. Um feitiço muito antigo e poderoso, usado na antiguidade por nobres para preservar a vontade e o ideal de um clã, bem como para fazer o líder atual não cometer excessos já que seria julgado por seus descendentes.

Esta magia que só podia ser usada por pessoas que possuíssem a mesma linhagem sanguínea, transmitia ao sucessor daquele morreu todas as suas lembranças e conhecimentos, suas memórias e seu legado eram dados àquele que recebia as inscrições no sangue.

Logo ficou claro que Strauss tinha feito mais do que ajudar Mark a conter o poder de Nathaniel, havia também usado esta magia nele. Mas mais importante do que isso, significava que Mark e Strauss possuíam o mesmo sangue.

Isto foi confirmado por Zachary que dizia ter conversado antes com Strauss, e nesta conversa ele havia dito que era o avô de Mark, a mãe dele era sua filha.

Icelo era bastante ardiloso e arguto, aproveitando este momento ele sussurrou palavras ao ouvido de Dante.

Ele dizia que Dante não deveria estar ali, que sem um braço seria apenas um estorvo para eles, que não era capaz de lutar, que os atrapalharia e colocaria tudo a perder, mas que talvez ele pudesse ajudá-lo de alguma forma. Se Dante pedisse ele daria para ele o poder para que pudesse lutar esta última batalha.

A mente de Mark foi inundada por um turbilhão de imagens, toda a vida de Strauss era mostrada para ele, e em meio àquelas lembranças ele chorou, porque finalmente pode ver o rosto de sua mãe, Sarah Strauss.

Ele conheceu a infância de Strauss, descobriu que seu primeiro nome era Richard. Como a maioria daqueles criados pela Vama Marga ele era um órfão, alguém que não tinha nada e que por isso aceitaria aquela causa para encontrar seu lugar no mundo, alguém que ninguém sentiria a falta ou se lamentaria caso viesse a morrer.

Tudo que ele tinha era um grande vazio que tinha aprendido a preencher com ódio, seu enorme talento e força, o fato de ser um dos Bem-aventurados, tudo isto fez com que Strauss rapidamente alcançasse postos mais elevados dentro da organização.

A quantidade de sangue inocente que ele derramava era impressionante, para matar um demônio que havia se escondido em uma pequena cidade ele tinha exterminado quase todos os moradores, quanto mais sangue inundava seu caminho mais o vazio crescia.

Ele ordenava a execução de pessoas simplesmente por terem potencial para servir de avatar, assim as matando evitava que anjos pudessem vir ao nosso mundo, tornou o treinamento para os jovens membros ainda mais duro, queria os preparar não mais para defesa e sim para uma guerra.

Quando o antigo líder da organização morreu não houve contestação, Strauss se tornou o comandante. Ao obter acesso a grande biblioteca da organização começou a estudar magias antigas e proibidas, foi lá que descobriu sobre a solução final, o último recurso da humanidade, a Tamachi Bakudan.

Ele estava decidido a usá-la, cometeria um holocausto e mataria mais de noventa por cento da humanidade.

Pelos seus feitos em batalha Strauss havia recebido o título de “Aquele que oferece sangue a Deus”, mas aquilo não era verdade, ele não se importava com Deus ou com qualquer outra pessoa, só queria preencher seu coração com alguma coisa, e no fim não havia nada que pudesse fazer isso, por isso ele estava decidido a acabar com tudo.

Mas algo aconteceu, mesmo sendo o líder ele continuava participando ativamente das batalhas, e em uma delas ficou gravemente ferido, um anjo havia conseguido romper sua aura de proteção e o atingir.

Levaram-no para ser tratado em uma das bases da organização, lá ele conheceu uma mulher chamada Caroline, era uma das poucas que tinham recebido treinamento para dar suporte médico. Durante dois dias ela cuidou dos ferimentos de Strauss.

Era um ferimento terrível que deveria ter matado a maioria dos homens, mas Strauss não era um homem comum, ele havia sobrevivido. Enquanto os soldados exaltavam sua força e aumentavam a lenda dele como o maior guerreiro da história da organização, ele sabia que não tinha sido sua força que o tinha salvado.

Strauss não sentia nada pela humanidade, não tinha como objetivo salvá-los, faria a Tamachi Bakudan para terminar com tudo, por um fim ao seu cansaço , então quando estava ferido, entre a vida e a morte ele sentia vontade de desistir, não tinha razões para lutar pela vida, algo que o fizesse querer retornar.

Mas quando estava prestes a desistir e entregar sua vida ele sentiu uma mão segurar a sua, aquela mão não soltou a dele por dois dias, foi aquilo que o trouxe de volta, ele queria conhecer aquela pessoa, quem havia feito isso por ele. Apesar de ser o líder da organização ele não tinha qualquer sentimento por eles, e eles respondiam com uma obediência cega que vinha do medo.

Após se recuperar ele exigiu ver a pessoa que tinha cuidado dele, ele então conheceu Caroline.

Por que você fez aquilo? Por que segurou minha mão? – perguntou Strauss

Você parecia tão sozinho, eu só queria que soubesse que não estava. – disse Caroline

– Essa explicação é idiota, eu pedi um relatório sobre você. Você é exatamente como eu, uma órfã, não tem nada, só conheceu a dor e a escuridão desse mundo, não teve escolha ao ser trazida para essa maldita organização.

– Por que agir com ódio quando você pode escolher agir com esperança?

– Não me diga que não sente ódio, você tem que sentir alguma coisa.

– Eu sinto uma grande solidão.

– Devia ter me deixado morrer, vai se arrepender por ter me salvado, você não sabe o que eu realmente sou, o que vou fazer a este mundo.

– Mas se você morresse tudo acabaria, não poderia mudar nada, agora que esta vivo tem uma segunda chance, pode trilhar um caminho diferente.

– Não existe nada em mim, eu sou vazio, a única coisa que sinto é um grande ódio, eu tenho uma grande escuridão dentro de mim.

– Porque você não pode preencher seu coração com ódio, amargura ou rancor, ninguém veio a este mundo para ficar sozinho, precisamos das outras pessoas porque são elas que vão nos ajudar a preencher nosso coração.

– Alguém que fez tudo que eu fiz não pode amar ou ser amado por ninguém, nem se esforçando, não existe mais esse sentimento em mim, eu sou um monstro.

– Esta certo, não pode mudar o passado e todas os erros e coisas horríveis que fez, mas pode escolher entre continuar trilhando esse caminho ou mudar. No mundo existem pessoas bobas que vão acreditar em você mesmo que você não acredite em si mesmo, que vão enxergar a luz que você possui e lutar por ela.

Strauss se virou em direção a parede, não podia permitir que ela o visse chorando, um homem como ele, um guerreiro não pode chorar, não tem o direito de demonstrar fraqueza. Assim que conseguiu se controlar e conter as lágrimas ele se virou novamente e terminou a conversa com ela.

– Obrigado, eu não sei se um dia vou conseguir agradecê-la o suficiente por isso. Pela primeira vez na minha vida eu descobri o que eu quero fazer, eu tenho um objetivo. Eu quero proteger esse mundo onde essas pessoas bobas vivem.

Durante quatro dias ele permaneceu lá ate se recuperar o suficiente para viajar, nestes dias ele sempre encontrava Caroline no jardim, onde conversavam longamente, ela falava sobre sonhos e seus olhos brilhavam, Strauss olhava para ela e tinha a certeza de estar vendo a mais bela coisa em todo o mundo.

Por uma única pessoa ele tinha desistido de usar o Tamachi Bakudan, ao invés de destruir ele tentaria proteger este mundo, ele tinha começado a pensar sobre os sentimentos das outras pessoas, que cada pessoa tem um mundo que quer proteger, as pessoas que ama, e se ele tivesse que sacrificar isso para salvar a todos o preço seria alto demais. 

Entretanto, uma vez que estava completamente recuperado ele se preparava para partir, ele queria pedir para ela o acompanhar, mas sabia que não tinha o direito de fazer isso.

No fundo ele temia que ainda continuasse a ser o mesmo, ele tinha medo de no fim contaminar a pureza e bondade dela com o seu coração sujo. Mas para a surpresa dele ela não veio se despedir dele, mas pedir para acompanhá-lo. Ela disse que queria ver o mundo que ele poderia criar.

Nesse momento ele não conseguiu se conter e chorou, nunca tinha se sentido tão feliz em toda a sua vida.