Thursday 4 July 2013

Capítulo 8 - A vertigem antes da queda




Caminhavam até a livraria onde se preparariam para tentar salvar Zachary, ambos estavam imersos em pensamentos.
Mark falava alguma coisa a respeito das estrelas, como estavam bonitas, Katherine percebeu que ele falava para si próprio, apenas repetia aquilo em voz alta para romper a opressão daquele silêncio.
Era uma bonita noite, não havia nuvens no céu, um vento suave e frio soprava, as folhas das árvores balançavam, tentavam se prender a vida, algumas não conseguiam, eram lançadas em direção ao grande desconhecido, carregadas pelos ventos do destino.
Haviam se passado dois meses desde que tudo tinha acontecido, Mark chegado à cidade, o ritual no cemitério, o encontro com o demônio. Por algum tempo Katherine alimentou esperanças de que as coisas poderiam voltar ao que eram, estava errada.
Depois de tudo aquilo, de finalmente estar livre do demônio ela pensou que pudesse ter uma vida normal, seguir em frente e esquecer.
De acordo com o que Mark havia lhe dito aquele monstro se alimentava dos sentimentos ruins que ela tinha dentro de si, funcionava como uma grande represa que impedia que toda a magoa e culpa a atingissem, deixava tudo preso em seu subconsciente. Essa energia negativa dava força ao demônio que aos poucos se tornava mais forte até que finalmente pudesse assumir a consciência dela.
O natural seria imaginar que quando o demônio se fosse a barragem se rompesse e ela fosse inundada por uma torrente de sentimentos, Mark havia alertado sobre isso, dos danos que isso poderia causar ao subconsciente dela, receber uma descarga tão forte de emoções. Mas surpreendentemente nada aconteceu.
No dia em que encontrou Mark no cemitério em frente ao túmulo de seus pais Katherine sentiu algo, mas depois disso nada.
Quando a barragem caiu Katherine descobriu que ela já não segurava nada, era apenas um muro. Não havia sentimentos represados, apenas um grande vazio.
Talvez nada daquilo realmente existisse não havia uma barragem porque não havia o que represar, apenas um muro que a separava das pessoas, que ela mesma havia erguido como uma desculpa para manter as pessoas longe, nunca deixar que ninguém fosse longe o bastante para ver como ela era.  
No começo foi isso que Katherine pensou, mas depois começou a se perguntar se na verdade esse muro não era para impedir que as pessoas entrassem, mas para impedir que algo saísse.
Katherine começou a temer a si mesma, não conseguia entender suas próprias atitudes, não eram mais apenas os sentimentos ruins, eram também os bons, não havia mais nada dentro dela.
Para sua surpresa ela se portava muito bem, como se já tivesse feito tudo aquilo antes, fingir, atuar diante de tudo e todos. Havia se tornado mais simpática e gentil com as pessoas, mas nada daquilo era real, cada palavra cada gesto era pensando previamente, o que as pessoas esperam que alguém normal fizesse, era nisto que ela se baseava.
Não era como se quisesse ganhar a confiança das pessoas e ser como as outras, ela usava aquilo para enganá-las, como se precisasse fazer pequenas maldades, jogar as pessoas umas contra as outras.
Percebeu o quanto eram frágeis os laços que ligam as pessoas, bastavam algumas palavras, insinuações para que as pessoas começassem a desconfiar dos outros, uma vez plantada a dúvida era o suficiente. Por conta própria as pessoas se destruíam e corriam em direção ao fim, só percebiam quando era tarde demais e não havia mais retorno, uma vez traída a confiança as coisas nunca poderão voltar ao que eram.
Na verdade aquilo tudo era sem sentido, Katherine não se divertia de verdade ao fazer aquilo, não era como se precisasse quebrar qualquer laço por não conseguir criar um. Brincar e destruir sentimentos de um bando de adolescente não era algo difícil, o que importava era o que acontecia depois, os sentimentos negativos que nasciam da dor, do rancor.
Havia ainda outra coisa, notava que suas palavras soavam diferentes, como se pudessem influenciar as pessoas, como um canto hipnótico, mas isto ela preferia ignorar e fingir que não notava, não queria admitir tudo que estava acontecendo, durante dois meses tentou negar e fugir, até que não conseguiu mais.
Em alguns momentos tudo isso parecia absolutamente normal para Katherine, não se importava com isso, mas às vezes uma enorme culpa a invadia, sentia-se mal por tudo que estava fazendo, principalmente quando estava com Mark.
Por algum tempo tentou ignorar tudo isso, mas viu que não era mais possível. Decidiu então procurar Mark e falar com ele sobre isso, mas no dia em que ela o procurou foi aquele em que presenciou a discussão entre ele e Zachary na livraria.
Ao ver aquela briga entre eles percebeu que não era o momento de levar a eles mais problemas. Katherine começou a repetir para si mesma que cada um já tem seus próprios problemas, você não tem tempo a perder se preocupando com o que acontece com as outras pessoas, se você quiser sobreviver precisa ser egoísta.
Quando ela já se preparava para sair sem dizer nada Zachary pediu para que ela esperasse, desculpou-se por toda aquela cena e em seguida perguntou se estava tudo bem, Katherine parecia um pouco preocupada, como se tivesse com algum problema.
Zachary a olhava com curiosidade, parecia sentir algo estranho, por um momento ela sentiu vontade de apertar o pescoço dele. Maus pensamentos invadiam a mente dela: “maldito velho intrometido, isso não tem nada a ver com ele, não conseguiu me ajudar da primeira vez, porque conseguiria agora. Na verdade eu faria um favor a todos se acabasse com a vida medíocre de velho que ele tem”.
Tudo isto durou apenas alguns segundos, mas era um ódio tão grande e intenso que Zachary conseguiu senti-lo.
Percebeu que não poderia fazer nada por ela naquele momento, até porque já estava a pesquisar sobre as pessoas em coma e demônio dos sonhos, naquele momento isto parecia prioridade, decidiu então pedir que Katherine fosse falar com Mark, ele poderia entendê-la e ajuda-la melhor.
Entretanto, quando ela saiu Zachary lembrou-se de uma coisa, ficou surpreso que não tivesse pensando nisso antes, se tivesse se demorado um pouco mais a refletir sobre isso teria percebido que foi impedido de entender, sua mente estava sendo nublada. Imediatamente parou a pesquisa sobre o demônio dos sonhos e começou a pesquisar em vários livros antigos, até finalmente encontrar o que procurava.

“era geralmente apresentado com duas cabeças, pois todas as portas se voltam para dois lados, sempre existem dois caminhos. Em tempo de paz a porta permanecerá fechada, mas em tempo de guerra suas portas serão abertas.”

Esta era uma citação que ele havia encontrado e respondia as questões dele sobre Katherine.
Mas neste momento Zachary desmaiou, ele havia sido pego pelo demônio do sono, chamado Icelo, as páginas que ele estava lendo foram desmarcadas quando o livro caiu, e quando depois Mark foi verificar as pesquisas de Zachary achou apenas as que se relacionavam a Icelo.
Longe dali, no bosque Katherine encontrava Mark, lá estava ele, perto daquela árvore onde eles se encontraram pela primeira vez. De perto ela consegue ver melhor os ferimentos no rosto dele, causados pela recente briga que teve, ele se sente mal afinal foi ela que manipulou tudo para que aquele grupo fosse atrás de Mark, ao mesmo tempo um prazer sádico em vê-lo se quebrando.
Quando Katherine se aproximou dele para colocar os curativos em seu rosto por algum tempo eles se olharam, Mark recuou, mas se tivesse demorado mais um pouco teria sido ela a recuar.
Pouco depois Katherine soube do que havia acontecido com Zachary, como era uma cidade pequena logo todos estavam a comentar que ele havia sido uma nova vítima da misteriosa doença do sono que estava a atacar as pessoas. Na verdade aquilo não foi surpresa para ela, que sentiu no exato momento em que ele foi atacado.
Depois de esperar um pouco decidiu ir até o hospital para visitar Mark, aquela imagem dele próximo ao inerte Zachary alegrou-a.
Na sua mente imaginava que se Zachary morresse Mark ficaria completamente sozinho, destruído por dentro, então teria de se entregar a ela, ficaria sozinho no mundo. Não queria usar nada na mente dele, queria que escolhesse a ele a escolhesse por vontade própria.
Embora tentasse combater esse pensamento não conseguia afastá-lo, lembrava-se da morte dos pais tentando usar aquela dor para se sentir humana de novo, como se ao lembrar o sofrimento não quisesse que aquilo se repetisse com Mark, mas tudo era inútil.
Mark já estava prestes a desmoronar por dentro, sua raiva contra o destino, o demônio ele não podia mais segurar aquilo e acabou explodindo em Katherine, que realmente sentiu-se magoada pelas duras palavras dele, ao mesmo tempo em que desejou excitar mais aqueles sentimentos em Mark.
A decisão de Katherine então foi ir embora e apenas esperar alguns dias até que Zachary morresse então voltaria a encontrar Mark e seria mais fácil, ele estaria frágil e quebrado.
Mas então ela lembrou-se do exorcismo no cemitério, pouco antes de tudo começar ela estava bastante amedrontada e com um mau pressentimento sobre aquilo.

 E quando as sombras me envolverem? E quando a noite chegar? – Katherine pensava.

Com uma voz firme e pousando a mão no ombro dela, como se soubesse que ela precisava daquilo Mark disse: Não se preocupe, vai ficar tudo bem, eu vou estar ao seu lado.

Essas lembranças a fizeram voltar para o hospital, não importava como ou o que estava acontecendo com ela, Mark precisava dela agora e ela não podia abandoná-lo. Ficou então a esperá-lo na saída do hospital.

Mark continuava a falar das estrelas, algo sobre constelações, e como observar o céu noturno lhe dava uma grande sensação de paz. Katherine ouvia sem prestar muita atenção, perdida em todos esses pensamentos.

Esta tudo bem com você? – perguntou Mark
Sim, estou bem. Foi apenas uma vertigem. – respondeu Katherine
De qualquer forma, eu queria dizer obrigado por você estar aqui, eu não sei se conseguiria sozinho. – disse Mark

As palavras dele deixam-na sem resposta.


2 comments:

  1. Eu realmente gostei do capitulo!
    Mas você precisa se lembrar dos travessões e melhorar a pontuação e divisão de parágrafos.
    Sua história é cativante.

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  2. Foi muito interessante ver o lado "oculto" da Katherine. Não imaginava que ela pensava dessa forma e que teria uns sentimentos mais sádicos em relação ao Mark.
    Tenho a ligeira impressão que ela está adquirindo sentimentos por ele, ainda mais depois daquela parte que diz que ela queria que o Mark viesse por conta própria até ela, apesar de destruído por dentro, caso o avô dele viesse a falecer. Mas ao menos, ela não o abandonou quando ele precisava de ajuda.
    Só fico imaginando se ela ainda tem alguma ligação com aquele demônio que a atormentava ou se essa parte dela é o lado podre que todo ser humano tem.
    O enredo está muito bom! Parabéns!

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