Caminhavam até a livraria onde se
preparariam para tentar salvar Zachary, ambos estavam imersos em pensamentos.
Mark falava alguma coisa a respeito das
estrelas, como estavam bonitas, Katherine percebeu que ele falava para si
próprio, apenas repetia aquilo em voz alta para romper a opressão daquele
silêncio.
Era uma bonita noite, não havia nuvens
no céu, um vento suave e frio soprava, as folhas das árvores balançavam,
tentavam se prender a vida, algumas não conseguiam, eram lançadas em direção ao
grande desconhecido, carregadas pelos ventos do destino.
Haviam se passado dois meses desde que
tudo tinha acontecido, Mark chegado à cidade, o ritual no cemitério, o encontro
com o demônio. Por algum tempo Katherine alimentou esperanças de que as coisas
poderiam voltar ao que eram, estava errada.
Depois de tudo aquilo, de finalmente
estar livre do demônio ela pensou que pudesse ter uma vida normal, seguir em
frente e esquecer.
De acordo com o que Mark havia lhe dito
aquele monstro se alimentava dos sentimentos ruins que ela tinha dentro de si,
funcionava como uma grande represa que impedia que toda a magoa e culpa a
atingissem, deixava tudo preso em seu subconsciente. Essa energia negativa dava
força ao demônio que aos poucos se tornava mais forte até que finalmente
pudesse assumir a consciência dela.
O natural seria imaginar que quando o
demônio se fosse a barragem se rompesse e ela fosse inundada por uma torrente
de sentimentos, Mark havia alertado sobre isso, dos danos que isso poderia
causar ao subconsciente dela, receber uma descarga tão forte de emoções. Mas
surpreendentemente nada aconteceu.
No dia em que encontrou Mark no
cemitério em frente ao túmulo de seus pais Katherine sentiu algo, mas depois
disso nada.
Quando a barragem caiu Katherine
descobriu que ela já não segurava nada, era apenas um muro. Não havia
sentimentos represados, apenas um grande vazio.
Talvez nada daquilo realmente existisse
não havia uma barragem porque não havia o que represar, apenas um muro que a
separava das pessoas, que ela mesma havia erguido como uma desculpa para manter
as pessoas longe, nunca deixar que ninguém fosse longe o bastante para ver como
ela era.
No começo foi isso que Katherine pensou,
mas depois começou a se perguntar se na verdade esse muro não era para impedir
que as pessoas entrassem, mas para impedir que algo saísse.
Katherine começou a temer a si mesma,
não conseguia entender suas próprias atitudes, não eram mais apenas os
sentimentos ruins, eram também os bons, não havia mais nada dentro dela.
Para sua surpresa ela se portava muito
bem, como se já tivesse feito tudo aquilo antes, fingir, atuar diante de tudo e
todos. Havia se tornado mais simpática e gentil com as pessoas, mas nada
daquilo era real, cada palavra cada gesto era pensando previamente, o que as
pessoas esperam que alguém normal fizesse, era nisto que ela se baseava.
Não era como se quisesse ganhar a
confiança das pessoas e ser como as outras, ela usava aquilo para enganá-las,
como se precisasse fazer pequenas maldades, jogar as pessoas umas contra as
outras.
Percebeu o quanto eram frágeis os laços
que ligam as pessoas, bastavam algumas palavras, insinuações para que as
pessoas começassem a desconfiar dos outros, uma vez plantada a dúvida era o
suficiente. Por conta própria as pessoas se destruíam e corriam em direção ao
fim, só percebiam quando era tarde demais e não havia mais retorno, uma vez
traída a confiança as coisas nunca poderão voltar ao que eram.
Na verdade aquilo tudo era sem sentido,
Katherine não se divertia de verdade ao fazer aquilo, não era como se
precisasse quebrar qualquer laço por não conseguir criar um. Brincar e destruir
sentimentos de um bando de adolescente não era algo difícil, o que importava era
o que acontecia depois, os sentimentos negativos que nasciam da dor, do rancor.
Havia ainda outra coisa, notava que suas
palavras soavam diferentes, como se pudessem influenciar as pessoas, como um
canto hipnótico, mas isto ela preferia ignorar e fingir que não notava, não
queria admitir tudo que estava acontecendo, durante dois meses tentou negar e
fugir, até que não conseguiu mais.
Em alguns momentos tudo isso parecia
absolutamente normal para Katherine, não se importava com isso, mas às vezes
uma enorme culpa a invadia, sentia-se mal por tudo que estava fazendo,
principalmente quando estava com Mark.
Por algum tempo tentou ignorar tudo
isso, mas viu que não era mais possível. Decidiu então procurar Mark e falar
com ele sobre isso, mas no dia em que ela o procurou foi aquele em que
presenciou a discussão entre ele e Zachary na livraria.
Ao ver aquela briga entre eles percebeu
que não era o momento de levar a eles mais problemas. Katherine começou a
repetir para si mesma que cada um já tem seus próprios problemas, você não tem
tempo a perder se preocupando com o que acontece com as outras pessoas, se você
quiser sobreviver precisa ser egoísta.
Quando ela já se preparava para sair sem
dizer nada Zachary pediu para que ela esperasse, desculpou-se por toda aquela
cena e em seguida perguntou se estava tudo bem, Katherine parecia um pouco
preocupada, como se tivesse com algum problema.
Zachary a olhava com curiosidade,
parecia sentir algo estranho, por um momento ela sentiu vontade de apertar o pescoço
dele. Maus pensamentos invadiam a mente dela: “maldito velho intrometido, isso
não tem nada a ver com ele, não conseguiu me ajudar da primeira vez, porque
conseguiria agora. Na verdade eu faria um favor a todos se acabasse com a vida
medíocre de velho que ele tem”.
Tudo isto durou apenas alguns segundos,
mas era um ódio tão grande e intenso que Zachary conseguiu senti-lo.
Percebeu que não poderia fazer nada por
ela naquele momento, até porque já estava a pesquisar sobre as pessoas em coma
e demônio dos sonhos, naquele momento isto parecia prioridade, decidiu então
pedir que Katherine fosse falar com Mark, ele poderia entendê-la e ajuda-la
melhor.
Entretanto, quando ela saiu Zachary
lembrou-se de uma coisa, ficou surpreso que não tivesse pensando nisso antes,
se tivesse se demorado um pouco mais a refletir sobre isso teria percebido que
foi impedido de entender, sua mente estava sendo nublada. Imediatamente parou a
pesquisa sobre o demônio dos sonhos e começou a pesquisar em vários livros
antigos, até finalmente encontrar o que procurava.
“era geralmente apresentado com duas
cabeças, pois todas as portas se voltam para dois lados, sempre existem dois
caminhos. Em tempo de paz a porta permanecerá fechada, mas em tempo de guerra
suas portas serão abertas.”
Esta era uma citação que ele havia
encontrado e respondia as questões dele sobre Katherine.
Mas neste momento Zachary desmaiou, ele
havia sido pego pelo demônio do sono, chamado Icelo, as páginas que ele estava
lendo foram desmarcadas quando o livro caiu, e quando depois Mark foi verificar
as pesquisas de Zachary achou apenas as que se relacionavam a Icelo.
Longe dali, no bosque Katherine
encontrava Mark, lá estava ele, perto daquela árvore onde eles se encontraram
pela primeira vez. De perto ela consegue ver melhor os ferimentos no rosto
dele, causados pela recente briga que teve, ele se sente mal afinal foi ela que
manipulou tudo para que aquele grupo fosse atrás de Mark, ao mesmo tempo um
prazer sádico em vê-lo se quebrando.
Quando Katherine se aproximou dele para
colocar os curativos em seu rosto por algum tempo eles se olharam, Mark recuou,
mas se tivesse demorado mais um pouco teria sido ela a recuar.
Pouco depois Katherine soube do que
havia acontecido com Zachary, como era uma cidade pequena logo todos estavam a
comentar que ele havia sido uma nova vítima da misteriosa doença do sono que
estava a atacar as pessoas. Na verdade aquilo não foi surpresa para ela, que
sentiu no exato momento em que ele foi atacado.
Depois de esperar um pouco decidiu ir
até o hospital para visitar Mark, aquela imagem dele próximo ao inerte Zachary
alegrou-a.
Na sua mente imaginava que se Zachary
morresse Mark ficaria completamente sozinho, destruído por dentro, então teria
de se entregar a ela, ficaria sozinho no mundo. Não queria usar nada na mente
dele, queria que escolhesse a ele a escolhesse por vontade própria.
Embora tentasse combater esse pensamento
não conseguia afastá-lo, lembrava-se da morte dos pais tentando usar aquela dor
para se sentir humana de novo, como se ao lembrar o sofrimento não quisesse que
aquilo se repetisse com Mark, mas tudo era inútil.
Mark já estava prestes a desmoronar por
dentro, sua raiva contra o destino, o demônio ele não podia mais segurar aquilo
e acabou explodindo em Katherine, que realmente sentiu-se magoada pelas duras
palavras dele, ao mesmo tempo em que desejou excitar mais aqueles sentimentos
em Mark.
A decisão de Katherine então foi ir
embora e apenas esperar alguns dias até que Zachary morresse então voltaria a
encontrar Mark e seria mais fácil, ele estaria frágil e quebrado.
Mas então ela lembrou-se do exorcismo no
cemitério, pouco antes de tudo começar ela estava bastante amedrontada e com um
mau pressentimento sobre aquilo.
E quando as sombras me envolverem? E quando
a noite chegar? – Katherine pensava.
Com uma voz firme e pousando a mão no
ombro dela, como se soubesse que ela precisava daquilo Mark disse: Não se preocupe, vai ficar tudo bem, eu vou
estar ao seu lado.
Essas lembranças a fizeram voltar para o
hospital, não importava como ou o que estava acontecendo com ela, Mark
precisava dela agora e ela não podia abandoná-lo. Ficou então a esperá-lo na
saída do hospital.
Mark continuava a falar das estrelas,
algo sobre constelações, e como observar o céu noturno lhe dava uma grande
sensação de paz. Katherine ouvia sem prestar muita atenção, perdida em todos
esses pensamentos.
Esta
tudo bem com você? – perguntou Mark
Sim,
estou bem. Foi apenas uma vertigem. – respondeu Katherine
De
qualquer forma, eu queria dizer obrigado por você estar aqui, eu não sei se
conseguiria sozinho. – disse Mark
As palavras dele deixam-na sem resposta.
Eu realmente gostei do capitulo!
ReplyDeleteMas você precisa se lembrar dos travessões e melhorar a pontuação e divisão de parágrafos.
Sua história é cativante.
Foi muito interessante ver o lado "oculto" da Katherine. Não imaginava que ela pensava dessa forma e que teria uns sentimentos mais sádicos em relação ao Mark.
ReplyDeleteTenho a ligeira impressão que ela está adquirindo sentimentos por ele, ainda mais depois daquela parte que diz que ela queria que o Mark viesse por conta própria até ela, apesar de destruído por dentro, caso o avô dele viesse a falecer. Mas ao menos, ela não o abandonou quando ele precisava de ajuda.
Só fico imaginando se ela ainda tem alguma ligação com aquele demônio que a atormentava ou se essa parte dela é o lado podre que todo ser humano tem.
O enredo está muito bom! Parabéns!