Wednesday 24 July 2013

Capítulo 11 - Enquanto acreditarmos




Usando o sangue de Zachary, que havia pegado no hospital, Mark era guiado em direção a ele.
Apesar de agora estar conseguindo resistir mais a pressão exercida sobre sua mente ainda era muito difícil caminhar, Mark se arrastava lentamente como se houvesse uma grande força o atraindo na direção oposta a que ele queria ir. Em alguns momentos ele parava sem conseguir avançar, a absurda geografia e arquitetura, a configuração do local desafiava seu senso de realidade, como se tudo estivesse a ser refletido por um caleidoscópio.
Toda sua percepção estava a ser confundida, não saberia dizer se estava caminhando há dez minutos ou dez anos. Era preciso fazer alguma coisa, tempo era um luxo de que ele não dispunha, quanto mais tempo passasse lá mais remotas tornar-se-iam as chances de retornar.
O pouco tempo que teve para se preparar antes de entrar no plano astral foi bem empregado por Mark, ele havia lido alguns livros que falavam de antigas tradições, de viajantes dos sonhos, historias que se confundiam e tinham pontos de conexão.
Desde o antigo Egito, até monges budistas, passando por feiticeiros celtas e bruxos modernos. O mundo dos sonhos era como uma extensão do plano astral, algo que os humanos podiam mais facilmente acessar, ou seja, tudo aquilo que Mark via era feito do mesmo material de que os sonhos. Aquilo podia ser transformado.
Claro que isso não alteraria a forma original das coisas, tentar moldar aquela realidade era na verdade apenas uma forma de racionalizar e tornar tudo pensável, o que aliviaria muito a pressão sobre a consciência de Mark.
Era preciso um esforço muito grande, toda a vontade dele estava a ser testada, aos poucos como uma tela em branco a ser preenchida tudo em volta começava a se modificar, Mark ainda não tinha força ou experiência suficiente para fazer algo sólido, as formas que ele imaginou tremiam e pareciam prestes a desmoronar, se aquilo desabasse seria demais para a sua mente que não suportaria e seria tomada pela insanidade.
A forma imaginada por Mark era algo grosseiramente semelhante a cidade onde ele vivia, seguindo até o que se assemelhava ao hospital onde estava Zachary.
No local onde ele havia imaginado o quarto de Zachary era para onde o ritual o guiava. Finalmente parou em frente a porta, após respirar fundo a abriu.
Nada daquilo fazia sentido, onde diabos ele estava agora? Será que não havia suportado a pressão e enlouquecido?
Mas logo Mark entendeu. Ele permanecia no mesmo lugar, mas agora moldado de outra forma, por uma força superior.
Diante dele estava a entrada de um velho teatro. Embora ainda confuso Mark não havia perdido o foco da sua missão, sabia que ia ir direto para uma armadilha, mas não iria recuar.
Na entrada da sala de exibição havia uma pessoa, se era real ou não era impossível dizer, esta pessoa estava cobrando a entrada para que Mark pudesse entrar.

Desculpe mas o senhor tem de pagar o ingresso para poder entrar. – disse a estranha figura.

Mark tentou alguns dos feitiços que conhecia, nada afetava aquela criatura, ela permanecia imóvel. Percebendo que não havia como passar por ela viu que precisava jogar aquele jogo.

Tudo bem. Qual é o preço do ingresso? Minha alma? – perguntou Mark
Não. Algo muito menor. – disse a estranha figura
Do que se trata isso?
Apenas uma lembrança. Um momento feliz, uma recordação que guarde no fundo do seu coração.

Aquela resposta deixou Mark apreensivo, era estranho demais. Por que não pedir mais? Devia ter algo escondido nisso, alguma espécie de ardil para enganá-lo. Sem tempo para tentar negociar e ainda sem saber o que encontraria a frente e, portanto, tendo que guardar energia para uma luta maior ele foi forçado a aceitar.
Mark começou a pensar em momentos felizes da sua vida, lembrou-se de um passeio no parque com o pai e a mãe. Ele estava num balanço sendo empurrado pelo pai, um bonito pôr do sol, a mãe sentada na grama cortava um grande pedaço de torta e o chamava.
Subitamente tudo isso sumiu, na sua mente restou apenas uma imagem em branco.
Permitiram que Mark avançasse, agora não faltava muito, apenas um corredor o separava da sala onde Zachary estava.
Ele sentiu-se tonto, cambaleava e buscava apoio nas paredes, sentia frio, um indescritível vazio o preenchia.
Na livraria Katherine velava pelo corpo dele. Ela não sabia o que fazer quando viu Mark começar a chorar sangue, não sabia o que estava acontecendo no plano astral, mas sabia que não podia ajudá-lo, a sensação de impotência quase a levava ao desespero.
Não pensava em si mesmo, se tivesse feito isto teria percebido que esta dor a fazia se sentir humana de novo, que talvez o caminho para fugir das trevas em seu coração estivesse nos laços com outras pessoas.
E a vela continuava a queimar.
Mesmo em péssimo estado Mark conseguiu chegar a sala. Ao entrar nela recebeu um grande flash de luz.

Finalmente, finalmente esta aqui a nossa grande estrela. O convidado de honra Mark Kroos. Bem vindo. – disse Icelo
O que você fez com ele? – perguntou Zachary, percebendo a condição de Mark
Nada demais, parece que o valor da entrada foi um pouco cara para ele.

Ainda atordoado Mark começou a ver o local em que estava, era uma grande sala de cinema. Zachary estava amarrado e sentado em uma das primeiras filas, na frente da tela estava aquele homem vestido de forma espalhafatosa, segurando em uma mão uma cartola e na outra uma bengala. Logo percebeu que aquele era Icelo.
Olhou profundamente para Zachary e pensou em dizer que estava lá para salvá-lo, mas não conseguiu. Apenas se sentou ao lado dele.
Zachary via Icelo satisfeito com tudo aquilo, todas as coisas estavam a acontecer de acordo com os seus planos.

Da próxima vez pequeno Mark pense um pouco mais antes de aceitar acordos como este, você não tinha ideia do que aconteceria com você, provavelmente até agora não sabe o que esta havendo. – disse Icelo
Mas tudo bem, não se preocupe eu vou explicar para você.
A cena que você imaginou e ofereceu para poder entrar, ela foi perdida para sempre, é isto que aconteceu.
Vocês humanos subestimam demais o valor das pequenas coisas. Cada momento feliz, cada sorriso, todas as pequenas coisas que partilha com outras pessoas, isto sustenta a alma de vocês.
 Não tem ideia de quanto isso é importante, de como faz falta até perder. Sem estas memórias só sobrará dor e vazio para afundar.
Confesso que por ser incapaz de sentir essas emoções acabei me tornando viciado em roubá-las. Na verdade são mais importantes do que as almas em si.
Quando eu devoro essas lembranças, é quase como se eu pudesse senti-las.

Neste momento Mark conseguiu se recuperar do torpor.

Você esta errado. Tenta roubar o que há de mais precioso em nosso coração para tentar preencher o vazio que sente, mas é inútil, isso nunca vai o fazer sentir alguma coisa. Momentos felizes não podem ser tomados, eles têm de ser compartilhados. – disse Mark

Icelo fez uma expressão de desagrado, pela primeira vez algo parecia ter acertado ele, mas logo ele se recompôs.
Mark tentou se levantar e soltar Zachary, mas foi detido por Icelo.

Esse é o problema com os jovens de hoje, são apressados demais, não se interessam pela história do mais velhos, não percebem o que podem aprender com o passado, negam ou até mesmo desconhecem o próprio legado. Não concorda comigo Zachary? – disse Icelo

Enquanto Icelo falava Mark começou a se preparar para atacá-lo. Quando foi interrompido por Zachary.

Calma Mark, não é o momento de lutar, não ainda, se ele quisesse ter nos destruído já teria feito isso. Eu ainda não sei o que ele quer, mas precisamos de algum tempo para pensar e fazer a próxima jogada. – disse Zachary
Tempo é algo que não temos, enquanto falamos e perdemos tempo aqui você esta morrendo em um hospital e meu corpo começa a apodrecer, logo minha alma não encontrará o caminho de volta. – disse Mark
Mark, desde que ele me pegou e que você veio para este mundo já devia saber que não há chance de sairmos vivos daqui. Quando um inseto fica preso na teia de uma aranha não adianta se debater e tentar resistir, ele só vai ficar mais preso. A única chance dele é ficar parado e esperar que aranha se descuide e ele possa escapar. Enquanto nos acreditarmos ainda haverá esperança.


Desculpem-me por interromper, mas vocês falam demais. Vocês pagaram para assistir um espetáculo, e é isto que vão ter. Sem mais delongas que comece logo o filme: Apenas a morte é real: A história de Zachary Holger.  – disse Icelo  

1 comment:

  1. Estou achando o Icelo um ótimo personagem, apesar de ser um tanto perverso. Bom, não podia esperar menos de um demônio...
    Essa parte do cenário me lembrou um pouco Puella Magi Madoka Magicaem relação às barreiras das bruxas. Aliás, se ainda não tiver assistido esse anime, recomendo.
    O preço que foi cobrado de Mark a princípio parecia baixo, mas na real, era muito cara, logicamente não tanto quanto a própria alma, mas ainda assim tirou uma parte importante dele.
    Estou muito curiosa em relação ao Zachary. Para o Icelo querer mostrar a vida do avô ao Mark, creio que há coisas obscuras envolvidas...
    Cara, essa fic está magnífica! Fico surpresa como você consegue escrever tão bem a parte emocional dos personagens. Mais uma vez, está de parabéns!

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