Capítulo 86 - A fraqueza dentro de mim

Ele acorda deitado em uma cama, não sente seu braço esquerdo, tinha ataduras e curativos por todo o corpo, seu corpo esta destruído, mas seu coração ainda esta pior, ele sente que falhou em tudo, sua alma é preenchida por dor e culpa, arrependimentos pelo que não foi capaz de fazer. Seu corpo tinha voltado a uma forma humana, abandonando o aspecto de anjo com a pele pálida e os longos cabelos.

Durante algum tempo ele fica imóvel, olhando para o teto, lembrando-se dos últimos momentos, quando ele acreditou que Kali estivesse morta, e que precisava continuar sua peleja com Lúcifer.

Mas o Primeiro dos Caídos não queria mais lutar, tinha decidido que não podia assistir sua filha morrer na sua frente sem fazer nada, então não se defendeu do ataque de Nathaniel, tendo seu coração atravessado e morrendo em seguida.

No momento em que o golpe letal o atingiu, como havia acontecido antes mas de modo contrário, a energia procurava se tornar uma só de novo, todo o poder de Lúcifer se transferiu para o corpo de Kali, isto fez com que ela se recuperasse dos graves ferimentos que seu corpo possuía.

Quando ela se ergueu já sabia que agora era ela a monarca do inferno, não havia mais um rei, agora era chegada a era do governo de uma rainha.

Do mesmo modo que ela se jogou na frente do ataque deles para impedir que um matasse o outro, ela não podia aceitar que qualquer um deles morresse, se tivesse sido o contrário, se fosse Lúcifer a vencer agora Kali estaria no mundo humano, lutando, tentando pensar em um jeito de contra-atacar o inferno e o paraíso.

O modo como ela olhou para Nathaniel quando o viu matar Lúcifer, ele sabia que ela o odiaria a partir daquele momento, que ela não poderia deixar que a morte de seu pai fosse algo em vão, era preciso honrá-lo e o modo de fazer isto era seguir em frente com os desejos dele.

Talvez em nome de tudo que eles foram um para o outro no passado ela permitiu que ele partisse, naquele momento podia facilmente tê-lo matado, ele estava fraco e cansado, qualquer um dos guardas reais era o suficiente para terminar com tudo. Mas ela o deixou partir levando ainda Simone e Sallos.

Embora tivesse ganhado em Sallos um importante aliado, o saldo final da expedição ao inferno era desanimador, foram traídos por Icelo e perderam Dante, não conseguiram salvar Katherine, e Zachary estava morto. A verdade era que a viagem tinha custado demais, foram vários sacrifícios e no fim não adiantaram para coisa alguma.

O sentimento de Mark era o de que tinha fracassado, que não estava pronto para ser o “presente de Deus” e salvador da humanidade, ele se sentia cansado de lutar, estava pensando em desistir.  

Nesse momento Simone entra no quarto, era ela que vinha cuidando de Mark durante estes dias. Ela o explica que ele ficou desacordado por quase três dias, o lugar onde estavam era uma antiga base da Vama Marga, um lugar abandonado.

Embora Mark estivesse gravemente ferido e precisando de cuidados médicos, em um hospital ele ficaria mais exposto, alem de terem que responder a varias perguntas, acreditando que ele seria forte o suficiente para se recuperar ela o levou para aquele lugar.

Ela contou que Sallos estava vigiando o lugar, e que embora não admitisse estava sofrendo bastante por estar no mundo humano, alem de ter sua força limitada a cada momento aquilo o enfraquecia mais, se permanecesse mais tempo naquele lugar poderia definhar ate a morte.

Foi então que Simone fez a pergunta que Mark mais temia responder, ela perguntou o que fariam agora, qual seria o próximo passo deles.

Ela pedia desculpas por não respeitar o luto dele, mas era preciso agir, embora tudo aquilo tivesse debilitado as forças do inferno, e impedido a invasão iminente deles sob o mundo dos homens, eles agora deveriam estar se reorganizando e se preparando para agir.

E ainda tinham o paraíso e Miguel, eles apenas se beneficiaram das baixas no grupo de Mark e nas forças do inferno, ele certamente havia sentido a chama da vida de Lúcifer se apagar, agora ele devia imaginar que não existe mais nada no universo capaz de detê-lo, ele vai agir em breve.

E por último as forças humanas, lideradas por Ravel, ele continuava firme em seu propósito de sacrificar noventa por cento da humanidade para tentar salvar o restante, usando uma arma espiritual que queimaria as almas e as explodiria ele dispararia contra as forças celestes invasoras.

No inferno, depois da morte de Zachary todos ficaram perdidos, sem rumo, a espera que um novo líder se levantasse entre eles, foi quando Mark tomou a frente e disse que faria isso, assumiria o papel de os comandar e levá-los a vitória.

Simone ressaltou que claro que todos esperavam ser guiados ate a vitoria, mas não aconteceu assim, não tinha sido culpa apenas dele. Ela teve culpa por ter sido fraca e não ter podido lutar, Dante teve culpa por ter os deixado, Mark não precisava carregar tudo sozinho, o que ele precisava era continuar a agir como líder.

 Era preciso ser líder diante da derrota, juntar o que restou e tentar consertar o que esta quebrado, se tudo que lhe restava era uma pequena semente de coragem que ele a regasse com esperança.

Mas foram suas palavras finais que realmente mexeram com Mark, quando ela disse que não era possível fazer nada por aqueles que caíram em batalha, como Strauss e Zachary, a única forma de honrá-los era se tornando mais forte para suprir a falta deles.

A batalha iria continuar com ou sem ele, a escolha de Mark era se esconder, abandonar tudo e ficar sentindo pena dele mesmo, ou se levantar e continuar lutando.

Simone se retira do quarto e o deixa sozinho para refletir sobre tudo, com dificuldade Mark se levanta, seu corpo esta cheio de ferimentos, ele caminha ate o banheiro e fica se encarando no espelho, ele não reconhece o rosto que olha de volta para ele, sente-se perdido. Ele então da um soco no espelho, partindo-o, por alguns minutos ele continua a desferir golpes, ate destruí-lo, o vidro provocou cortes em sua mão.

O local onde eles estavam era uma velha construção que um dia tinha servido como abadia, hoje em dia era um prédio abandonado no meio do nada. Simone foi ate o lado de fora onde Sallos estava de guarda, mas diante da aparente paz em que estavam no momento ele parecia meditar, ela pensou em recuar para não o incomodar, mas ele já tinha percebido sua chegada.

Como ele esta? – perguntou Sallos

Desculpe, não queria te interromper. – disse Simone

– Não interrompeu, eu estava apreciando a beleza deste lugar, mesmo sendo cego isto tudo é tão diferente, o cheiro das coisas, a textura, é um mundo novo para mim.

– Acho que faz bem em apreciar, pode ser que em breve não possamos mais fazer isto. Mark, ele esta quebrado, não sei se vai se recuperar. O corpo dele precisará de meses para começar a se curar, mas o espírito é que realmente me preocupa.

– A resposta você mesma deu. Quebrado, não morto ou destruído. Eu acredito que nada fica perdido para sempre, enquanto ainda há esperança e vontade.

– Eu queria ter a mesma fé que você. Sallos, você deixou tudo e nos seguiu acreditando que era o certo, mas agora estamos perdidos, eu não sei o que fazer.

– Ao contrário Simone, a fé que existe em você é que me despertou, se vocês entendessem o potencial que existe em vocês, o coração dos humanos é capaz de milagres, quando eu vi isto em você eu entendi qual era nossa missão como anjos, o que Deus queria de nós. Essa fagulha que existe em vocês é a força para realizar qualquer coisa.

– Obrigado Sallos, você me deu a coragem que eu precisa, eu acho que já sabia o que precisava faze, mas tinha medo de fazê-lo. Eu não vou mais ter medo, não sei se posso pedir mais a Mark, ele já deu o suficiente, já perdeu mais do que podia. É hora de eu fazer minha parte também.

Determinada Simone se despede de Sallos, ela diz que vai fazer algo, ele insiste em ir com ela para ajudá-la, mas ela pede que ele fique protegendo Mark naquele lugar.

Durante algum tempo Simone olha para ele, e passa a mão pelo seu rosto, o anjo segura a mão dela entre as suas, e então eles se beijam, em seguida ela parte sem dizer para onde iria, mas que tentaria encontrar ajuda.

No paraíso algo acontecia, um alerta era emitido, havia invasores, três anjos já haviam sido mortos para tentar deter os intrusos, não querendo incomodar Miguel que parecia bastante ocupado acompanhando algo que acontecia no inferno, seu anjo mais leal, Orphamiel decidiu tomar conta dessa invasão por conta própria, alguém que já havia matado alguns anjos não era um adversário que pudesse ser desprezado.

O objetivo dele era interromper isto antes que o invasor chegasse aos sete guardiões, ate porque ele tinha uma ideia de quem causava tudo aquilo, era algo que ele precisava cuidar.

Ao se aproximar do lugar onde estava acontecendo o conflito Orphamiel logo sentiu uma energia familiar e viu que suas suspeitas estavam corretas, quem havia invadido o paraíso era Icelo.

Olá Orphamiel, estava o esperando já há algum tempo, estava imaginando se isso não era o suficiente para chamar sua atenção. Se demorasse um pouco mais teria que dizer para o meu bom amigo Dante causar realmente estragos. – disse Icelo

O que você quer Icelo, esse não é um bom momento para suas brincadeiras, eu estou fazendo de tudo para que isso não atraísse a atenção de mais ninguém. Temos um acordo, mas se continuar a fazer coisas assim vai ser difícil mantê-lo. – disse Orphamiel

– Eu não brinco, não sobre isto. Eu estou aqui porque finalmente consegui cumprir a minha parte do acordo.