Capítulo 81 - Lembranças preciosas

Uma espécie de jardim secreto, um lugar de beleza e doçura mesmo no meio do inferno, vários arranjos de diferentes espécies de flores, e ao centro uma fonte com uma bela escultura de uma mulher derramando água com um jarro.

Por muito tempo eu cultivei este lugar como um local para onde eu vinha em busca de paz quando precisava pensar e meditar, agora vamos destruí-lo com nossa luta. Quer dizer que acabou o tempo de contemporizar, é chegada a hora da guerra. – disse Lúcifer

O restante do grupo de Mark foi acompanhado ate o jardim pelos membros da guarda real, as ordens de Lúcifer foram claras, eles não deveriam ser tocados, deveriam assistir a morte do “Presente de Deus”, ver a destruição de toda sua esperança, terem tempo de se arrepender e se lamentar por terem negado a oferta dele ou quem sabe a chance de se arrependerem e mudarem de lado.

Simone pensava que aquilo era arrogância, que juntos eles podiam derrotar a guarda real e depois ajudar Mark a destruir Lúcifer, mas quando ele começou a liberar sua energia para a luta ela viu que não, aquilo era apenas a constatação da verdade, a força dele era divina.

A medida que Lúcifer expandia sua força ate mesmo os membros da guarda real deram passos para trás para não serem derrubados por aquela energia, Simone imediatamente caiu de joelhos, Sallos e Dante faziam um esforço sobre-humano para tentar se manter de pé. Icelo os chamou para junto dele e criou uma pequena barreira de proteção para que pudessem assistir a luta.

Este era o momento que Icelo estava esperando, ele tinha tido chance de fugir antes, mas ele precisava arriscar, precisava ver Lúcifer uma última vez, saber se ele havia mudado, e principalmente, se ele ainda era uma ameaça. A resposta era que sim.

Icelo se sentiu satisfeito ao ver que tinha feito a escolha correta, mesmo metade da força ainda o tornava o monstro praticamente invencível, ardil e planos podem funcionar quando se tem uma diferença de força não tão grande, mas contra isso todas as estratégias dele fracassariam.

Foi então que sussurrou:

Dante, esteja alerta, fique pronto. – disse Icelo

Para o que? – perguntou Dante

– Apenas fique preparado. 

Nathaniel caminhava calmamente, assistia a força de Lúcifer e fazer todo o inferno tremer, uma força que deveria estar sendo sentida ate no paraíso. Ele se perdia em pensamentos, era como a sensação que se tem ao acordar, quando se sonhou com algo e se tenta lembrar, mas a medida que fica mais desperto as lembranças ficam mais nubladas e você vai esquecendo. O que ele estava esquecendo era sua existência como Mark.

Subitamente Lúcifer desapareceu da sua visão, ele via apenas um borrão negro, foi quando recebeu um soco que o atirou centenas de metros longe, fazendo-o colidir com o solo varais vezes antes de parar.

Quando tenta se levantar apenas tem tempo de sentir uma não segurando sua nuca e arrastando sua face contra o chão, depois apenas escuta seu próprio grito enquanto uma enorme esfera de energia atinge suas costas.

Seus olhos o enganam, não existe Lúcifer, ele não consegue ver o adversário, tudo se tornou escuridão, ele esta confuso, não entende o que esta acontecendo. Enquanto isso um chute no estomago que quase racha suas costelas, ele cospe sangue enquanto é atirado de um lado para o outro.

Parece que você é incapaz de me ver, isso é um tanto decepcionante, pensei que teríamos uma grande batalha. Afinal você não é digno de me enfrentar. – disse Lúcifer

O que você fez, que truque é esse? O que aconteceu com meus olhos? – questionou Nathaniel

– Nada. Eu não fiz coisa alguma com você. É apenas o seu medo.

– Eu não o temo, vim para cá determinado a enfrentá-lo.

– Eu não duvido disso, acredito em sua coragem, mas o medo de que falo é algo instintivo, não é algo que se possa controlar facilmente, são seus instintos. Seu subconsciente percebeu a diferença entre nossas forças, a totalidade do meu poder. Você esta com tanto medo de mim que se recusa a me ver.

Simone e os outros ficam chocados com aquelas palavras, Icelo assente com a cabeça dizendo que aquilo era verdade, a força de Lúcifer era tão grande que muitos dos seus adversários sequer conseguiam encará-lo durante as lutas na guerra civil. Ele explicava que era como quando fechamos os olhos por instinto diante de algo que nos assusta.

Era deste nível o adversário que estavam enfrentando, antes de poder encará-lo de frente Nathaniel precisava ser capaz de controlar seus instintos, mas esta era sua primeira batalha, ele ainda não dominava totalmente sua nova forma, seu novo ser. As chances estavam todas contra ele.

Cambaleando Nathaniel se erguia, havia um cheiro familiar ao redor dele, ele reconhecia aquelas flores, enquanto tentava se lembrar pôde sentir novos ataques em sua direção, cada soco parecia capaz de arrancar sua cabeça do corpo. Ele conseguiu apenas por um instante segurar o braço de Portador da Luz.

Mesmo com a força e natureza de um anjo o corpo ainda era humano, começava a acusar muitos danos pelos seguidos golpes sofridos. Dante pensava em interferir, mas imediatamente foi contido por Icelo.

Lúcifer se preparava para terminar com aquilo, mas quando foi acertar Nathaniel este conseguiu se esquivar, embora com dificuldade agora ele estava mais hábil, podia prever os golpes e se desviar ou pelo menos se proteger para minimizar os danos.

Admiro sua perspicácia, foi uma estratégia inteligente. Quando você segurou meu braço me marcou com o perfume daquela flor que você estava caído sobre. – disse Lúcifer

Não é uma flor qualquer, não é apenas pelo perfume dela, é algo mais. São jacintos, eles me lembraram de algo que não posso esquecer jamais. – disse Nathaniel

Jacintos, a flor com que Mark tinha presenteado Katherine depois do primeiro encontro deles, quando ele ajudou a expulsar o demônio que estava possuindo o corpo dela. A flor que representa um amor capaz de superar a tristeza.

As lembranças se tornaram mais claras, ele podia ser Nathaniel agora, mas ele sempre seria também Mark, aquelas memórias que ele estava perdendo retornaram para ele, o perfume daquela flor o fez se recordar dos motivos pelos quais lutava.

Os ataque da Estrela da Manha continuavam, cada vez mais, a cada ataque os instintos de Nathaniel se aguçavam mais, aos poucos a escuridão sumiu, a luz dissolvia as trevas, não existia mais borrão, agora ele podia ver o seu adversário.

Pela primeira vez durante a luta ele conseguiu ver claramente Lúcifer, eles se encararam longamente, agora seria uma batalha de verdade.

Mostre-me o que pode fazer, você é o salvador da humanidade, se você cair toda esperança deles ruirá, a fé desaparecerá, restará apenas o implacável julgamento do paraíso ou do inferno. – disse Lúcifer

Nathaniel começou a gritar enquanto sua energia crescia exponencialmente, aumentando ate se aproximar do poder de Lúcifer. Eles avançaram um contra o outro fazendo seus punhos se chocarem, uma grande onda de impacto se formou, o Portador da Luz permaneceu no lugar, enquanto Nathaniel foi jogado para trás, caindo de pé.

A barreira protetora criada por Icelo começava a rachar, ele se esforçou e colocou mais energia nela para consertar. Um dos guardas reais encarava-o fixamente.

Então foi nisso que você se tornou, um protetor desses bonecos de barro idiotas, ou será que isso é apenas o que quer que eles pensem? Aceitem um conselho, humanos, não confiem nele. – disse um dos guardas reais

Palavras magoam sabiam, pensei que ainda pudéssemos sentar na praia e assistir o por do sol enquanto relembrávamos os velhos tempos. – disse Icelo

– Pode continuar com suas piadas enquanto puder, assim que Lord Lúcifer exterminar aquela aberração o próximo será você. Eu implorarei para que ele me conceda o direito de te matar com minhas próprias mãos.

Icelo sorria de modo irônico, parecia gostar da irritação que causava. Nesse momento para surpresa dos guardas reais se apresenta Amon, clamando ser o último dos guardiões dos círculos que havia sobrevivido, ele trazia consigo o traidor Berith. Afirmava ter deixado o seu posto, depois de muita hesitação, pois viu que seria mais necessário no palácio de Lúcifer.

Imediatamente um dos guardiões tomou a frente em negativa, disse que ele não tinha permissão para comparecer àquele lugar sem ser chamado por Lord Lúcifer, além do que aquilo era uma afronta a eles, por mais que os invasores tivessem passado através dos círculos a segurança do palácio pertencia a guarda de elite.

Um dos guardas se aproxima de Amon e começa a sentir algo estranho, ele percebe o truque por trás daquilo, mas antes que pudesse fazer algo o corpo inconsciente de Berith é jogado sobre ele.

Amon avança em direção aos guardas reais, seu corpo começa a emitir um brilho muito intenso, e então um enorme clarão cobre todo o lugar, interrompendo ate mesmo a luta de Lúcifer e Nathaniel. Quando o brilho cessa Icelo e Dante desapareceram.