Zachary havia notado desde o inicio, o
modo como Sitri atacava, parecia estar se contendo, evitando usar sua
verdadeira forma, ela não era alguém que atacava a distância, e sim alguém que
despedaçava o oponente usando suas próprias mãos.
A anja cravou suas unhas nos ombros,
rasgando a carne e envolvendo-as no próprio sangue, elas ficaram escarlates.
Ela as testou fazendo um movimento no ar, que fez uma enorme rachadura na
superfície do lago.
Ela havia desenvolvido esta técnica
durante a guerra, usando seu sangue como arma, para aumentar o poder de corte e
destruição das suas garras, mas era mais do que isso, era um modo dela se
lembrar de cada um daqueles que ela matou, de ela morrer um pouco com cada um
deles. E agora pela primeira vez ela usaria esta técnica contra um humano.
Sitri avançou contra Zachary, enquanto
com uma das mãos atirava rajadas cortantes guardava a outra para perfurar o
coração daquele humano. Zachary era bastante hábil e conseguia desviar dos
ataques, ele movia de modo lento, deixando uma trilha dos seus movimentos, como
estar assistindo uma imagem sendo acelerada.
Ele ainda conseguia se aproximar dela, e
a acertou com dois poderosos ataques, fazendo-a vomitar sangue. Os socos dele
tinham uma força impressionante, rivalizavam ate mesmo com ataques de anjos.
Mas desta vez Sitri tinha recebido os
ataques voluntariamente, para conseguir entender a real natureza da técnica de
Zachary ela aguçou todos os seus sentidos ao limite, e então se preparou para
sofrer os golpes.
Com isso ela conseguiu entender a
natureza do ataque dele, tratava e uma ilusão, de uma forma de distorcer a
percepção de tempo, dele mesmo e do adversário, era como se Zachary percebesse
a passagem de tempo de um modo diferente, mas lentamente, enquanto ele dava dez
mil socos, o adversário o via dando apenas um, enquanto o in inimigo ataca a
altíssima velocidade ele via os golpes se aproximando lentamente.
Era uma técnica de altíssimo nível, que
tinha sido obtida através de muito treinamento e meditação, elevar seu espírito
ao limite, fazê-lo se unir ao infinito, onde o tempo se torna irrelevante, onde
pode ser manipulado, despertar a fagulha divina dentro de si.
Nenhum ser humano esta preparado para
aguentar algo deste tipo, Sitri entendeu que Zachary nunca teve esperanças de
sair vivo daquela luta desde o inicio, ele estava disposto a se sacrificar para
vencê-la.
Fortes dores no seu braço esquerdo e no
peito, Zachary estava exausto, sentia seu corpo no limite, ele tinha percebido
que Sitri havia descoberto sua técnica, mas isso não importava, mesmo que
soubesse como ela funcionava ainda não era algo fácil de vencer. Ele avança
contra ela disposto a terminar a luta o mais rápido que pudesse.
Entretanto, quando esta a poucos
centímetros dela, ela ataca o solo, afundando no lago, Zachary recuou
imediatamente, sabia que ela venceria a luta apenas entendendo-a por mais
tempo, mas este não era o objetivo dela, seria uma mancha para o seu orgulho
não ser capaz de vencer um humano.
Ele fica atento, observando todas as
direções, ate que ela surge, como um torpedo rasgando o gelo e atacando-a, com
muita dificuldade ele se esquiva, mas antes que pudesse contra atacar novamente
ela mergulha.
Novamente ele ouve o gelo se partindo e
prepara-se para atacar, mas não há nada no lugar, ela apenas tinha atacado o
gelo por baixo para enganá-lo. Logo vários buracos começaram a surgir, como se
fossem gêiseres, Zachary não conseguia mais saber por qual lado ela atacaria,
até que ela surge e ataca-o.
A única coisa que Zachary consegue é
desviar por alguns centímetros, de modo que as garras de Sitri perfuraram seu
peito no lado direito, e não no coração. Após o ataque a anja adentra uma vez
mais no lago congelado.
Depois do ataque Zachary sente tonturas,
ele nota então que havia começado a nevar, estende a mão e segura um dos flocos,
ele percebe que aquilo não era um floco de neve comum, aquilo era um lágrima.
Do céu estavam a cair milhares de lágrimas. Essa era a verdade sobre aquele
lago, ele era formado pelas lágrimas de todos os condenados do inferno.
Isto deu uma ideia para Zachary, ele
lembrou-se dos milhares de corpos no lago. Ele começou a entoar uma oração, um
mantra tibetano para liberar as almas da dor, dar consolo aos mortos e fazê-los
encontrar seu próprio caminho.
Om
Mani Peme Hum Hri. Om Mani Peme Hum. Tchion Den Guialwa Shi Dro La Tsog
Kyen. Bardo Djig Pe
Trang Le Drel Du Sol. – rezava Zachary
As orações de Zachary despertaram os
mortos, os milhares de condenados adormecidos dentro daquele lago,
imediatamente eles começaram a atacar Sitri, forçando-a a sair do lago. Embora fosse mais poderosa que eles, havia
grande quantidade, de modo que a encurralaram.
Aquilo era apenas temporário, logo
aquelas águas os fariam esquecer tudo novamente, o frio levaria embora suas
memórias e sua consciência.
Do
que adianta isso agora? Você já esta praticamente morto. – disse Sitri
Eu
não me importo em morrer, meu objetivo nunca foi ir até o final disso, eu só
preciso abrir o caminho para os mais jovens. – disse Zachary
–
Os jovens em quem você confia são uma decepção, eles morrerão aqui no inferno,
exatamente como você. Não há nada que vocês pudessem fazer desde o inicio.
Humanos nunca serão capazes de enfrentar divindades.
–
Felizmente eu nunca fui um homem temente a Deus, não acredito em divindades, o
poder em que acredito vem dos próprios humanos. Eu já vi várias pessoas em
igrejas e templos, rezando por milagres que nunca vieram. Mas quando pessoas
lutavam por aquilo que queriam, bem a verdade é que muitas vezes fracassavam
também, mas eu vi alguns milagres surgirem daí, desta determinação de nunca
desistir.
–
Você fala em acreditar, em ter fé, mas será que estas pessoas acreditam em
você? Seu filho Dante que você abandonou e que depois foi condenado ao inferno,
o escolhido Mark, que descobriu que o pai foi condenado ao inferno também por
sua culpa, de quem você escondeu vários segredos. Acha mesmo que eles têm fé em
você?
–
Não sei. Cometi muitos erros ao longo da minha vida, perdi muitas pessoas que
eram importantes para mim, eu olho para trás e vejo apenas destroços, coisas
quebradas. Não há conserto para pessoas como eu, mas se eu tiver conseguido
fazer algo de bom por aqueles garotos então dei um sentido ao final da minha
vida.
–
Falhou com seu irmão Holger, falhou com sua esposa, falhou com seu filho e com
seu discípulo. Acha que pode reparar isso? O que você perdeu nunca voltará. Eu
me pergunto o que faria se eu o oferecesse a mesma escolha. Zachary, Dante ou
Mark, qual dos dois você salvaria?
Por alguns instantes Zachary hesitou,
mas logo ele começou a rir.
É
uma tola se acha que pode me confundir ou perturbar com esta pergunta. Não
houve um dia em que eu não me fizesse esta pergunta, em que não rememorasse
aquele dia. – disse Zachary
Mas
ai esta a beleza da situação, não é apenas uma jogo mental, é uma pergunta real.
Neste momento você tem duas escolhas. Mark esta se arrastando, tentando
avançar, então você deve avançar também para ser capaz de ajudá-lo. Enquanto
isso Dante agoniza sozinho, o pobrezinho precisa de ajuda. Este é o momento
Zachary, vai avançar ou recuar, quem vai escolher? – perguntou Sitri
–
Eu escolho ter fé neles, acreditar que eles são fortes, capazes de superar
qualquer desafio que aparecer, que preciso deixá-los caminhar sozinhos, que
eles não são mais garotos, já se tornaram homens com quem tenho orgulho de
lutar lado a lado.
Sitri por um momento sentiu inveja
daquele humano, da confiança, da fé que eles tinham uns nos outros, eram
sentimentos que os anjos desconheciam.
Ela lembrava-se de cada momento da
guerra, de como tentou manter-se neutra no inicio, e que depois juntou-se ao
exercito de Miguel por achar que Deus havia traído os anjos, mas no fim traiu o
exercito de Miguel e assassinou vários dos soldados dele.
A decisão de Sitri aconteceu porque ela
descobriu que Miguel não pouparia nenhum dos anjos que tinha decidido seguir
Lúcifer, que os enganaria com uma oferta de trégua e depois os atacaria. Não
podendo aceitar isto ela se rebelou, e mesmo sem concordar com Lúcifer uniu-se
a ele.
Não conseguia ficar em paz consigo
mesma, sem ter a convicção que tinha tomado a decisão correta, sem saber se no
final talvez Miguel estivesse certo, que se tivesse matado a todos pelo menos
hoje já estariam em paz, não com este conflito a durar já milhares de anos.
Talvez Zachary estivesse certo, o
caminho que ela deveria ter tomado era acreditar em seus companheiros, deixar
que eles seguissem em frente e decidissem seus destinos. Aceitar que algumas
vezes não somos capazes de salvar a todos, podemos alcançar apenas aqueles que
estão do nosso lado. Ou ainda somos os únicos a sobreviver, deixando atrás de
nós uma pilha de corpos, formada por aqueles que amamos, é preciso seguir em
frente para honrá-los.
Era o momento de por fim a luta, Sitri
faz um corte no pulso e derrama o sangue sobre seu corpo, Zachary se concentra
e faz a imagem de Asura se tornar ainda mais nítida no reflexo, alem disso as
três cabeças e seis braços fundem-se formando um único corpo.
Os rostos que representavam um olhar
para o passado, presente e futuro agora eram apenas presente, era o único lugar
para o qual o coração de Zachary se movia.
Ele assume uma posição de meditação, com
o corpo ereto e uma das mãos próxima ao coração e aberta a outra estendida
longe do corpo, aberta e virada para baixo, Sitri com o punho tingindo de
vermelho com o próprio sangue partia correndo para cima de Zachary.
Quando ela se aproxima ele lentamente
avança com a palma da mão formando uma poderosa rajada de energia que atinge
Sitri em cheio, ela ainda consegue avançar ate alcançar Zachary e perfurar o
peito dele com a mão.
Zachary cai então no chão vomitando
sangue, Sitri também cai, o ataque de ambos foi fatal para o adversário. A anja
arrasta-se ate o corpo de Zachary e coloca a cabeça dele no seu colo. Passa a
mão pelos cabeços dele enquanto ele fecha os olhos, e começa a cantar uma
bonita canção para ele, um réquiem para ambos. Enquanto a neve continua a cair
cada vez forte e cobri-los.
Jisei nado
Zansetsu ni ka mo
Nakarikeri
(Bokusai)
Uma palavra de adeus?
A neve se dissolve
Não tem perfume
Jisei nado
Zansetsu ni ka mo
Nakarikeri
(Bokusai)
Uma palavra de adeus?
A neve se dissolve
Não tem perfume
Zach... capítulo muito bom e muito triste, Zachary finalmente encontrou a paz após se sacrificar pelos mais jovens, capítulo emocionante, luta muito boa, consegui imaginar cada golpe, cada cena, ficou perfeito, parabéns de verdade, você fez um otimo trabalho, tenho pena pelo Zach, foi um grande lutador e simboliza a primeira perda naquele lugar =(
ReplyDeleteSe Zachary é poderoso assim, mesmo que seja uma "ilusão", imagino como seria ele utilizando essa técnica junto ao Anjo de Sangue. Acho que não haveria demônio/anjo caído que aguentasse...
ReplyDeleteMais uma vez a Sitri se mostrou bem esperta em suas táticas, tentou enganá-lo com as várias colunas de água que fez brotar do rio congelado. Mas Zachary ainda levou vantagem (e foi muito inteligente) ao recitar o mantra para libertar a alma que estavam ali da dor.
Achei lindo o diálogo entre os dois. Mostra que o Zachary realmente tem fé tanto no filho quanto em seu aprendiz (que também considera como um filho). Ele sabe o quanto os dois são poderosos e que carregam dentro de si bastante determinação.
Mesmo Sitri tendo vivido mais que o Zachary, acho que ela pôde aprender muito com ele nessa luta. Assim como Asmodeus e Valefar, as escolhas dela foram trágicas...Porque não era ali que ela queria estar agora.
Foi outro grande capítulo! Zachary se mostrou ser um homem bem determinado e poderoso. Espero que ele não morra =/
Estarei aguardando pelo próximo!