Com dificuldade Zachary levantava-se,
depois de ser atirado contra o solo e despertar naquele lugar. A primeira coisa
que lhe vinha a mente era pensar sobre Simone, Dante e Mark. Em como cada um
deles estaria neste momento.
Tinha muito pena em ver aqueles jovens
se arriscando desse modo, eles ainda possuíam tanto para viver, um futuro em
potencial, que podia acabar naquele lugar, sendo estraçalhados no inferno.
Era frustrante para ele saber que estava
diante da batalha mais importante de todas, mas justamente quando seu corpo
mais se curvava pelo peso do tempo. Ele não era nem sombra do homem que tinha
sido no passado, a cada dia sentia-se mais fraco. A simples queda que tinha
tido ao atravessar o portal e cair naquele circulo já o tinha deixado com
dores.
O tempo é inexorável, ele sabia disso,
não podia lutar contra o inevitável, sentia-se como uma velha folha, a única
que insistia em resistir, que tinha passado pelo outono e agora era castigada
pela dureza do inverno. Logo ele cairia e seria engolido pela neve.
O último de sua geração tendo a
responsabilidade de liderar um bando de crianças para salvar o mundo, ele velho
demais, os outros jovens demais.
Lembrava-se da profecia de Khan, do seu
passado na Vama Marga, de que ele deveria ser aquele que guiaria o escolhido.
Ele pensou a respeito de Mark e sorriu.
Enquanto caminhava por um longo caminho
pedregoso começou a ofegar, sentia-se cansado, uma forte dor no peito o
oprimia, sentia algo no seu braço esquerdo. Rapidamente pegou no bolso da sua
calça um frasco com remédios, os estava tomando desde que tinha tido o
incidente com Icelo.
Aquilo na verdade o havia salvado de
certo modo, Zachary sempre tinha evitado ir a hospitais, mesmo sentido dores e
desconforto, não queria deixar Mark sozinho, mas quando foi atacado pelo
demônio dos sonhos e foi internado os médicos o avaliaram e descobriram que ele
tinha graves problemas cardíacos.
Ele não se surpreendeu ao descobrir
isso, sim ele tinha tido um trabalho bem estressante ao longo dos últimos
quarenta anos, exorcizar demônios com certeza o levava ao máximo, a pressão de
cada batalha psicológica, isso foi o vergando ao longo dos anos, agora não
faltava muito para ele quebrar.
A verdade é que ele questionava se devia
ou não estar lá, por alguns momentos ate chegou a pensar em pedir para Strauss
guia-los no inferno ao invés dele, mas as coisas saíram de modo inesperado,
agora só restava ele, sempre aquele que sobrevivia, que tinha de enterrar as
pessoas. Às vezes é difícil ser aquele que fica para trás, que fica sozinho.
Ser velho é já ter perdido muitas coisas ...
Zachary lutava para afastar estes
pensamentos, apertava o frasco de remédios na mão, lembrava-se de que após
tomá-los sentia sonolento, algo que não podia se dar ao luxo de ficar neste
momento, precisava estar totalmente focado e concentrado para encarar a próxima
luta.
Após suspirar pesadamente ele toma sua
decisão. Atira para longe os remédios, para onde esta indo não vai mais
precisar deles.
Seguiu caminhando por algum tempo ate
sentir uma mudança de temperatura, aos poucos o calor que sufocava e asfixiava
estava desaparecendo, ele começava a sentir frio.
Quanto mais avançava mais sentia a
temperatura cair, ate que finalmente olhou para o céu e viu flocos de neve
caindo, estendendo sua mão para segurar um deles notou algo. Aquilo não era
neve, eram lágrimas.
Avançando mais um pouco finalmente
chegou ao que parecia ser um lago gigantesco, que estava congelado. De modo
cauteloso colocou um pé de cada vez, caminhava com parcimônia sempre
verificando se o gelo resistiria.
O vento o açoitava, fazia a sensação
térmica ser ainda menor do que realmente era, sentia que se ficasse lá por
muito mais tempo começaria a sentir os efeitos da baixa temperatura, já sentia
seus dedos ficando dormentes.
Mas algo chamou sua intenção, ele
começou a escutar uma bela melodia, era uma música extremamente triste, sentia
vontade de chorar ao escutá-la, era como o lamento de milhares de vidas, uma
sinfonia feita por todas as palavras não ditas, por todas as coisas que as
pessoas gostariam de não ter dito, por coisas que foram quebradas e não podem
ser consertadas.
Seguindo o som ele chegou a um grande
castelo de gelo que parecia estar localizado no centro do lago congelado. Dois
enormes gárgulas de gelo guardavam a entrada, quando Zachary tentou avançar
eles se mexeram atacando-o, por pouco escapou da primeira investida.
Zachary estava em grande dificuldade,
mesmo sendo pesados eles ainda eram rápidos, mas ele possuía uma vantagem, a
experiência, tirando os gárgulas da entrada do castelo onde tinha neve e
levando para o gelo fino sobre a superfície do lago, fazendo-os escorregar e
ter dificuldades em se mover. Mas logo eles começaram a voar para escapar do
gelo.
Entretanto foi este movimento que decidiu
a batalha, quando eles começaram a voar passaram a atacar Zachary dando voos
rasantes, mas ele esquivava-se com facilidade, parecia conseguir prever cada um
dos ataques antes que eles viessem.
Os gárgulas chocavam-se violentamente
contra a superfície do lago que resistia, mas começava a mostrar rachaduras,
Zachary esperou pelo momento certo e deu um poderoso soco no gelo, fazendo-o se
despedaçar, de modo que os monstros caíram dentro do lago, e devido ao seu
enorme peso eles começaram a afundar.
Ao olhar para a água do lago Zachary
ficou horrorizado, pode ver então o que se escondia debaixo do gelo, centenas
de corpos, almas condenadas que ainda tinham um pouco de discernimento, que
ficavam batendo no gelo tentando escapar, mas não podiam, sofriam sentindo seu
corpo congelar, e quando finalmente paravam de se debater afundavam.
Pelo buraco aberto por Zachary alguns
deles tentavam escapar, mas em meio a confusão eles se batiam e atrapalhavam
uns aos outros, como animais desesperados tentavam escapar, mas no fim nenhum
deles pode sair, logo o buraco se fechou de novo, prendendo a todos eles.
Sem muito tempo para pensar a respeito
daquelas almas amaldiçoadas Zachary decidiu avançar seguindo seu próprio
caminho, pensando se o seu fim seria se juntar àquelas pessoas.
Agora sem os gárgulas na entrada ele
pode avançar e abrir uma grande porta de madeira que era a entrada do castelo
de gelo. Conforme adentrava o lugar a música ficava mais alta, parecia estar o
guiando. A entrada dava para um grande salão, e logo adiante uma grande
escadaria que conduzia ao segundo andar. Ainda seguindo a musica ele subiu as
escadas ate chegar a um quarto de onde parecia vir o som.
Abrindo a porta ele se deparou com uma
belíssima mulher, usava um bonito vestido preto que realçava as curvas do seu
corpo, tinha longos cabelos, negros como as asas de um corvo, um rosto pálido,
gélido, olhos verdes que pareciam esmeraldas, e uma sombra vermelha que os
realçava. Ela tocava uma grande harpa, era a responsável por aquela melodia tão
triste que o tinha guiado através daquele inferno de gelo.
Como
derrotou os gárgulas? – ela indagou
Pela
forma como se moviam eu percebi que eles estavam sendo controlados, mas ainda
era difícil encontrar um padrão nos movimentos deles, por isso os forcei e eles
tiveram que usar as asas e voar. Foi quando notei uma pequena mudança de
andamento na música, descobri que era assim que você os controlava. – disse
Zachary
–
Com uma única mudança conseguiu notar a diferença? Tem bons ouvidos Zachary.
–
Sim, o som de harpas sempre foi dos meus preferidos, Tchaikovsky e a cadência
de harpa no Lago dos Cisnes, o concerto para harpa de Handel, são obras
belíssimas. Mas ouvi-la tocar foi uma experiência diferente, me fez entender
porque se referem à música como algo divino.
–
Obrigados pelos elogios tão gentis, é uma pena não podermos conversar por mais
tempo, sinto que gostaria da sua companhia, mas já sinto sua intenção assassina
crescendo contra mim.
–
Uma bela música e uma bela mulher, acrescente um bom vinho e tem a perdição de
qualquer homem. Tenho de atacá-la enquanto consigo, antes de ficar ainda mais
envolvido por essa melodia hipnotizante.
Zachary tentava demonstrar segurança,
parecer calmo, mas na verdade analisava todo o ambiente, tentava calcular
estratégias, modos de atacar aquele oponente. Nos momentos que teve com Icelo
eles conversaram e ele o perguntou sobre o que ele sabia de cada um dos
círculos e seus guardiões. Ele sabia quem estava a sua frente e onde estava.
Era o nono círculo infernal, aquele
destinado aos condenados por traição, e seu guardião era o anjo caído chamado
Sitri.
Sabe
por que esta aqui? – perguntou Sitri
Acho
que sim, pelo sentimento de culpa que carrego, pelo meu egocentrismo de achar
que devo salvar a todos, e quando falho nisso me afundo em autopiedade e me
isolo das outras pessoas. – respondeu Zachary
–
Não precisa tentar racionalizar tudo, você melhor do que ninguém deveria saber
que sentimentos estão além da cognoscível. Isso é sobre como você sente, sobre
como as outras pessoas se sentem com relação a você.
Sitri atacava o ponto fraco de Zachary,
as memórias que tinha por ter perdido seu irmão Holger, quando falhou com sua
família e sua esposa foi morta por um demônio, quando não conseguiu escolher
entre Dante e Christian e viu ambos sendo tragados para o inferno.
Por mais que tentasse compreender aquilo
de modo racional, que soubesse que não teve culpa, que não havia nada que ele
pudesse fazer a respeito, nada disso importava, ele tinha perdido pessoas que
amava, e não conseguia se perdoar por isso.
E no fim é isso que importa, a forma
como nossas ações e omissões impactam em nós, as pessoas que amamos são o
espelho através do qual vemos isso, através do que somos julgados e condenados.
E era chegada a hora do julgamento de Zachary.
Muito bom o capítulo, embora não tenha tido muita ação sem ser o Zachary contra as gargulas, a melhor parte foi no final ao encontrar a anjo caído Sitri, ele sempre se culpabilizou muito pelos seus falhanços, agora é hora de os enfrentar.
ReplyDeleteDe início, apesar da vasta experiência de Zachary, pensei que ele teria dificuldades contra Sitri devido à idade um pouco mais avançada. Se ele luta assim agora, imagina então quando era jovem! A luta começou como algo mais tático e depois tomou rumos mais violentos XD Bom, ele mostra que está lá é para matar Sitri mesmo, tanto que ela ficou até meio que com um pé atrás, diferente como foram os outros anjos caídos com os membros do grupo.
ReplyDeleteÉ muito interessante essa forma de Zachary, já que ele se mostra um homem calmo e prudente... Mas se for levar em consideração o passado dele, na época de Holger, faz todo o sentido.