Tuesday 11 June 2013

Capítulo 5 - Jacintos




Aos poucos tenta abrir os olhos, é difícil, a luz incomoda muito, ainda se sente um pouco cansado, fisicamente esta bem, mas esgotado mentalmente, quando finalmente se reestabeleceu conseguiu identificar o lugar em que estava, era no seu quarto.
Ouviu passos e depois a porta se abriu, era seu avô.

Finalmente acordou, disse Zachary.
Quanto tempo eu fiquei desacordado? – perguntou Mark.
Não muito tempo, dois dias apenas.
A Katherine ela esta bem?
Sim, não se preocupe, ela achou seu celular na mochila e me ligou, eu fui buscá-los no cemitério.
Ela te contou também tudo que aconteceu?
Como você me desobedeceu e foi sozinho tentar exorcizar um demônio que não conhecia, como se arriscou selando o demônio no próprio corpo, é acho que ela disse tudo.
Bem, isso me poupa tempo então, espero que tenha dado a bronca enquanto eu estava desmaiado.
Isso não é engraçado Mark, droga onde você estava com a cabeça, não aprendeu nada com tudo que aconteceu? Acha que pode resolver tudo sozinho?
Você devia saber melhor do que ninguém isso não é engraçado para mim, não é um maldito jogo, eu tinha um plano, mas o demônio me pegou no começou, o desgraçado conhecia meu ponto fraco, eu cheguei a pensar que estava tudo perdido, quase me entreguei, mas quando vi que a Katherine também estava lá, não sei explicar mais, eu tinha que fazer alguma coisa, não podia deixar outra pessoa se perder por minha culpa.
Então você tinha um plano?
Sim, e apesar de tudo consegui, primeiro eu fiz a Katherine se abrir, expulsar todos os maus sentimentos de dentro de si, isso enfraqueceu a ligação entre ela e o demônio depois eu comecei um exorcismo, o que o deixou ainda mais perturbado e assustado, eu ainda não tinha certeza se o exorcismo funcionaria sem grande danos a ela, então decidi usar o plano final, o selei dentro da minha alma.
Você sabe o quanto isso foi arriscado?
Eu sei, mas valia a pena correr o risco, eu sabia que ele não ficaria com a minha alma, ele sabe a quem ela pertence.
Foi um plano suicida, você arriscou muito, contou demais com dissimulação e blefes.
Eu sei.

Mark disse que ainda precisava descansar um pouco e queria ficar sozinho, Zachary concordou e foi embora, na verdade era mentira, ele não se sentia mais cansado, estava recuperado, só não queria mais falar sobre aquilo.
No dia seguinte teve de ir para a escola, apesar de estar a tão pouco tempo na cidade já tinha várias lembranças que o acompanhavam no caminho até a escola, se lembrava do seu primeiro encontro com Katherine no bosque, lá estava ele usando um antigo ritual celta para tentar sentir a presença de espíritos malignos, sim, nada com ele podia ser normal, é natural que ele afaste as pessoas, pensava nisso enquanto lembrava das palavras de seu avô, Zachary havia dito que Katherine tinha ido algumas vezes até a livraria para perguntar sobre o estado dele, mas não tinha subido para vê-lo.
Na escola tentou não se meter em problemas, não era de muitas palavras e tinha uma expressão bem séria, parecia o tipo de pessoa com quem você não quer se meter, sabia que só precisava se aguentar um pouco mais, este seria o seu último ano na escola, ele sabia que não iria para uma faculdade e teria uma vida comum, ele não podia desperdiçar os anos que lhe restavam com isso. O seu futuro seria se tornar um exorcista e sair por ai caçando demônios, até que um dia um deles o pegasse ou que o seu tempo acabasse, de qualquer forma não terminaria bem.
No intervalo entre as aulas chegou a ver Katherine de longe, mas preferiu não ir até ela, queria deixá-la sozinha, afinal ela era forte, quem sabe consiga se recuperar de tudo isso e ter uma boa vida, ela não precisava mais dele, na verdade ele sabia que o melhor para ela seria manter distância dele.
Katherine havia passado o intervalo sozinha, ainda tentava entender tudo que havia acontecido nestes últimos dias, inferno, demônios, aquilo seria demais para qualquer um. De manha havia passado na livraria e perguntando a Zachary sobre Mark, ele havia dito que ele já havia se recuperado e ido para a escola, ela estava feliz por ele esta bem, mas ao mesmo tempo continuava confusa com tudo aquilo, ficou aliviada por não o ter encontrado, não saberia o que dizer, o que fazer.
Durante a aula ela estava perdida em seus próprios pensamentos, se lembrava da conversa que havia tido com Zachary quando ele foi buscar ela e Mark no cemitério, depois de cuidar de Mark e deixá-lo descansando no quarto ele tentou ajudá-la a se acalmar.
Nem posso imaginar como esta a sua cabeça depois de tudo isso. – disse Zachary.
Ainda não parece real, como se fosse um pesadelo, ainda é difícil acreditar em tudo isso. Mas acabou não é, eu estou livre. – disse Katherine.
Você esta livre do demônio e recuperou sua alma, mas toda a dor, todos os maus sentimentos que tinha dentro de você e que permitiram que ele a possuísse eles ainda existem dentro de você, e terá que lidar com eles, embora agora seja um tanto mais fácil, será apenas sobre crescer e amadurecer.
E o Mark, quando ele ficará livre disso tudo?
Eu gostaria de ter uma resposta para isso, infelizmente não tenho.
O que você quer dizer, eu ouvi coisas muito estranhas na conversa dele com o demônio, o que significa tudo aquilo?
Desculpe mas não posso te dizer, pode ser algo muito pesado para você carregar, eu a aconselho a não procurar saber, mas se realmente quiser pergunte ao Mark.
Então essa é a vida dele, o que aconteceu no cemitério, ele enfrenta tudo aquilo?
Basicamente sim, como você bem deve saber pela experiência que teve isso não é algo que você consiga sair da mesma forma que entrou, essas coisas ficarão marcadas para sempre em você.
Você esta me dizendo que ele esta a preso isso para sempre, não é justo, ninguém pode aguentar aquilo toda a vida.
Eu sei, acredite, eu gostaria de impedir isso, se pudesse eu tomaria o lugar dele, mas as coisas não são justas, nem sempre podemos salvar as pessoas que são importantes para nós. É duro para mim dizer isso, eu vi que vocês se deram bem, o jeito como cuidou dele no cemitério, no entanto, tenho de dizer  isto, a verdade é que coisas como aquelas acontecem muito na vida do Mark e com o tempo passaram a acontece cada vez, até que ele seja engolido por isso, e as pessoas que estiverem perto dele serão atingidas também.
Esta dizendo para eu me afastar dele?
Não, este era o meu bom senso falando, agora o meu lado avô quer dizer justamente o contrário, no meio de tudo isso é muito fácil ele se perder no meio das sombras se não houver ninguém para puxá-lo de volta, alguém por quem ele queira voltar, é um peso muito grande ser um abrigo para outra pessoa. Eu não vou dizer se você deve se afastar ou continuar perto dele, isso só você pode decidir, eu quis apenas mostrar-lhe um pouco dos dois lados.

Depois disso Zachary mudou de assunto e se tornou numa conversa amena sobre os poetas preferidos de Katherine, até que ela se acalmasse e pudesse voltar para casa. O sinal avisando o fim das aulas a despertou dessas recordações.
Desde aquele dia ela ainda não havia voltado ao cemitério, decidiu então ir até lá e visitar os pais, finalmente se sentia pronta para isso.
Quando se aproximava da sepultura teve uma surpresa ao encontrar ver alguém lá, era Mark, ele trazia nas mãos um buque de flores, ficou surpresa ao vê-la.

O que você esta fazendo aqui? – disse Katherine
Desculpa, eu meio que queria me desculpar com eles por tudo que aconteceu aqui, não se preocupe, já estou indo embora. – disse Mark
Você não precisa ir (disse ela hesitante). Foi a escola hoje? Eu não o vi ...
Sim, foi bem difícil de aguentar aquilo, quase toquei o alarme de incêndio para fugir daquilo.
Podia ter me procurado, ido falar comigo.
Eu até pensei nisso, mas você parecia tão bem, achei melhor não.
Por que?
Sabe o porquê, depois de tudo que houve a última coisa que deve querer é se lembrar disso, me ver seria ter de encarar tudo de novo, então o melhor para você é ficar longe, não precisa mais de mim.
Não decida as coisas por mim, você me salvou e vou ser eternamente grata por isso.
Isso não significa que precisa se forçar a ser minha amiga ou algo do tipo, eu sou uma aberração rodeada de demônios e a cada dia afundando mais em direção ao inferno, definitivamente não sou alguém que você deva se aproximar.

Um longo silêncio se seguiu, ela não sabia o que dizer, Mark deixou as flores sobre a sepultura e se preparava para ir embora, quando de repente Katherine reconheceu as flores que ele havia trazido.

São jacintos não é? – Katherine perguntou
Sim. – disse Mark
Você conhece a história dessa flor?
Não, apenas eram as favoritas da minha mãe, então pensei em comprá-las, não pensei muito a respeito.
Na mitologia grega existe uma história sobre essas flores, Jacinto era o nome de um jovem amado por Apolo, um dia aconteceu um acidente e apesar de ser um deus, mesmo com todo o seu poder Apolo não conseguiu salvá-lo e ele morreu. Apolo ficou muito triste, então transformou o corpo do amado em uma flor, isso simboliza a força das lembranças, como elas nos deixam coisas belas, capazes de superar a tristeza. (enquanto falava ela começou a chorar)
Esta tudo bem?
Sim, meu pai gostava muito de mitologia grega, ele sempre lia essas histórias para mim, mas eu havia me esquecido de tudo isso, agora as lembranças estão voltando.
Este cemitério, ele representa um pouco disso também, você disse que as pessoas escolheram esse local para enterrar seus mortos porque nada crescia aqui, eles queriam se livrar do mortos e esquecê-los aqui, sabe eu não acho que seja isso. Se houvessem flores em cada uma das sepulturas isso se tornaria como um jardim, as memórias das pessoas queridas pode trazer beleza a esse lugar.
Que coisas estranhas você esta falando.
Você que começou.

Ambos riram. Mark então decidiu ir embora e deixá-la ter um tempo sozinha naquele lugar, quando já estava indo embora Katherine disse uma coisa:

Nos vemos amanha na escola certo?
Claro.


Então de costas sem se virar para ela ele acenou e foi andando, não podia virar de frente e deixar ela ver o sorriso bobo que ele tinha no rosto.

2 comments:

  1. Travessões.
    tirando isso, otima fic!

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  2. Achei bem legal a conversa do Zachary com a Katherine, especialmente na parte em que ele fica dividido entre o bom senso e como protetor (avô).
    Interessante também citar sobre essa flor e também sua história mitológica.
    Parece que Mark e Katherine estão cada vez mais próximos um do outro. Espero que ela consiga trazer "paz" para ele.
    Gostei bastante!
    Até o próximo capítulo!

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