Capítulo 57 - Abandonem a esperança

Um portal se abriu, Icelo havia cumprido sua palavra e os trazido ao inferno.

Mark olhava em volta e não via nada, era como um grande deserto de areia vermelha, uma paisagem desolada e morta, apenas aquela visão já era o suficiente para fazer alguém mais fraco sentir o coração fraquejar e perder sua esperança.

Icelo estava ao lado de Dante e eles conversavam, Zachary sabia que nada de bom poderia vir daquilo, então se aproximou deles, ficando entre ambos. Mas já era tarde, já haviam feito um acordo.

Depois de algum tempo de caminhada começaram a avistar uma floresta, Icelo explicou que os tinha levado para aquele deserto para que pudessem se acostumar ao lugar primeiro antes de já ter de combater.

O ambiente era inóspito, o ar era carregado de enxofre e outros gases venenosos, respirar era difícil, o que fazia com que eles se cansassem facilmente, o vento era forte e carregava pequenas pedras e outros objetos, causando pequenas lesões na pele deles.

Eles deviam entender o ambiente e a força e números do inimigo antes de decidir a melhor estratégia, ir de frente desafiando todo o inferno seria apenas suicídio. O ar era rarefeito como em uma montanha, isso diminuía seu tempo de reação e suas habilidades.

O anjo caído explicou para eles o caminho ate o castelo de Lúcifer, depois de atravessar o deserto chegariam a uma floresta de árvores mortas, lá vagavam espíritos que ainda não tinham conseguido aceitar a morte, presos em um tormento continuo, revivendo a própria morte repetidas vezes.

Isso os tornava perigosos, eles querem se livrar de sua dor de qualquer modo, por isso tentam passá-la a qualquer um que encontram.

Na parte final a floresta se transformava em um pântano, era um lugar maldito. Lá habitavam terríveis monstros, eram criadas nascidas dos medos mais profundos dos condenados. Os pensamentos atormentados daqueles torturados no inferno geraram essas aberrações que agora vivem no pântano.

Sendo capazes de sobreviver a tudo isso e passassem pelo pântano chegariam as prisões, aos portões do inferno, tendo diante deles os nove círculos infernais. Após atravessarem-nos finalmente chegariam ao castelo de Lúcifer, onde além dele estavam os mais poderosos anjos caídos.

Enquanto explicava cada detalhe Icelo observava a cada um deles, olhava em seus olhos e procurava medo ou duvida, mas todos eles pareciam determinados, sabiam no que estavam se metendo e estavam prontos para este desafio.

Exceto por uma tempestade de areia, que quase fez com que eles se separassem, conseguiram atravessar o deserto sem problemas. Icelo já os havia alertado para evitarem ao máximo usar seus poderes, deviam evitar chamar a atenção, se perdessem o elemento surpresa aquela missão estava condenada.

Zachary viu que Icelo estava sério, ate mesmo o exercito de anjos liderados por Miguel teria receio em invadir o inferno e enfrentar Lúcifer em seus próprios domínios.

Sentiram-se aliviados por deixar o deserto, a pele deles tinha ficado ressecada, a garganta seca, era difícil respirar, Simone ia tentar curá-los um pouco, mas Icelo a impediu, deviam tentar se aguentar pelo menos ate atravessar o pântano.

A floresta era um pior do que o deserto, um ambiente sombrio e quente, arvores mortas que feriam e arranhavam a cada passo que se dava, mas o pior era mesmo a sensação de morte, aquilo oprimia o coração, era como se a própria floresta quisesse roubar a vida deles.

Os caminhos eram tortuosos e mudavam a todo o momento, era fácil se perder naquele lugar. O vento carregava sussurros, choro e maldições se confundiam, isso ajudava a desorientá-los. Quando se aperceberam Simone havia ficado para trás.

Não precisaram procurar muito, pois logo ouviram um grito. Apressaram-se para chegar ate ela. Mas ao chegarem ate o local dos gritos viram que Simone já havia cuidado da situação.

Ela recitava um mantra para afastar os espíritos atormentados que a cercavam. Eles haviam separado-a do grupo e começado a atormentá-la com visões sombrias, imagens de morte, não apenas a dela como a de Strauss.

Por um momento ela gritou e vacilou, mas logo se lembrou das palavras de Zachary, fortaleceu seu coração e lembrou-se do seu treinamento, dos seus estudos sobre o ocultismo. Sabia como afastar espíritos atormentados e perdidos, era preciso mostrar-lhes o caminho para abandonarem suas correntes de culpa e desespero.

Esta é a hora da morte e renascimento. Aproveita esta morte temporal para atingir o perfeito estado. Ilumina-te! Mantido sobre a Luz Clara. Recorda a glória da Luz Clara. Deixa-te guiar através da tua nova vida que vem. – disse Simone

Você esta bem? – perguntou Mark

Prestem atenção ao que ela fez, estas são palavras do Bardo Thodol, o Livro Tibetano dos Mortos, podem ser muitos úteis para vocês também, vai ajudar a afastar estes fantamas. – disse Zachary

Simone então passou a guiá-los, indo na frente enquanto entoava esse cântico.

É bom que tenha certeza sobre isso Zachary. Ela esta deixando estes espíritos furiosos, vamos ter grandes problemas se retornamos por este caminho. – disse Dante

Não se preocupe jovem Dante, ele não tem esperança que vocês retornem, por isso ele não se importa em fazer isso. – disse Icelo rindo

Não entendo, qual o problema disso? Simone os esta ajudando, tentando iluminá-los, os livrar de suas culpas e ressentimentos que os prendem a este lugar. – disse Mark

Ah, pequeno Mark, sua ingenuidade é cativante, deve ser por isso que a bela Katherine se apaixonou por você. Tudo começa do seu julgamento errado. Existem pessoas que não querem ser salvas, outras que não podem sê-lo. Mostrar a eles a chance de salvação, com eles sabendo que nunca poderão a obter, isso é uma das mais cruéis torturas que se pode fazer. Acho que vou acrescentá-la a minha coleção. – disse Icelo

Já chega Icelo, se não tem nada de útil para falar fique quieto. – disse Zachary

Devia ser mais honesto com ele Zachary, o garoto ainda acha que pode salvar a todos, que pode proteger a todo este grupo, que vai reencontrar Katherine. - neste momento Icelo fica mais sério – Ele tem de ser preparado para o destino que o aguarda, para perder tudo. – disse Icelo

Não! Eu me recuso a aceitar este destino! Eu sei que isso é ingênuo, mas não me importo em parecer estúpido, eu preciso acreditar. Se cair cairei de pé, e mesmo assim só depois de salvar a todos que amo. Todos podem ser salvos, só precisam que alguém acredite neles e os apoie. Para o inferno com o destino, eu vou proteger todo mundo. – disse Mark

Zachary sorriu satisfeito, as palavras de Mark eram sinceras e animaram um pouco todo o grupo, Icelo sorriu de modo ambíguo e não retrucou.

Após quase duas horas de caminhada estavam deixando a floresta, o solo começava a ficar úmido e a prender seus pés, estavam adentrando no pântano.

O cheiro era insuportável, era muito difícil respirar, o solo não era estável, se tornando em lama a medida que avançavam, ate ficarem com água cobrindo-os ate a cintura.

Havia alguma coisa na água, ela era ácida e queimava a pele ao toque, não havia trilha para se seguir, tinham que confiar em Icelo que parecia levá-los sempre pelo pior caminho possível, como se se divertisse em deixá-los irritados.

Era preciso fazer um grande esforço para dar cada passo, a lama no fundo prendia os pés, o cansaço acumulado também pesava. Mark então tropeçou e bateu em um tronco de árvore, cortando a perna.

Nesse momento Icelo grita para eles se apressarem, não podiam mais ficar ali. O sangue de Mark se espalhou na água, e isso logo começou a atrair criaturas, Zachary sentiu algum animal tocar sua perna por baixo d’água.

Foi então que um tentáculo agarrou a perna de Dante, erguendo-o bem alto, antes que o grupo pudesse reagir um terrível monstro, que lembrava vagamente um morcego, atacou Zachary.

Mark ajudou Dante cortando o tentáculo com sua espada, Zachary usou sua adaga para rasgar a asa do monstro, derrubando-o. Eles tentaram se agrupar, mas parecia inútil, logo estavam cercados por dezenas de sombras, criaturas disformes e aberrações.

Eram as criaturas de que Icelo havia falado, seres nascidos dos medos dos condenados, sentimentos tão pesados e ruins tinham se acumulado ao longo de centenas de anos, dando origem a essas coisas.

Icelo percebeu que Mark estava prestes a retirar o selo de contenção feito por Strauss, se ele liberasse seus poderes todo o inferno perceberia sua presença, ate o momento ele tinha evitado a agir diretamente, mas teria de intervir agora.

Icelo então tomou a frente do grupo, dessa vez ele estava sério, não parecia o palhaço sádico de sempre.

Eu sou Icelo, eu sou o senhor o mundo dos sonhos. Eu vejo o coração humano criar sonhos, e o vejo também moldar pesadelos, medos reprimidos que jorram como erupções, os verdadeiros tormentos são aqueles que perseguem os homens a noite, dos quais eles não podem fugir nem dormindo. – disse Icelo

– Os pesadelos guardam os maiores temores que se escondem na alma humana. Os pesadelos são meus, o medo é também meu! Eu exijo que me escutem criaturas, curvem-se diante de seu senhor!

Os monstros pararam de avançar e obedeceram, afastando-se ate deixar o grupo sozinho. Zachary sentiu um calafrio na espinha por ver que havia subestimado Icelo, ele era ainda mais poderoso do que ele havia imaginado.

Sem grandes problemas depois disso eles atravessaram o pântano. De longe avistaram os portões que levavam ao reino de Lúcifer.

Esqueci-me de dizer uma coisa, quando passarmos por aquele portão, este grupo vai se separar, ninguém pode saber para onde cada um de vocês vai, irão ser levados para um dos nove círculos de acordo com seus próprios pecados. – disse Icelo