Capítulo 31 - Perdendo a fé

Já tinham se passado dois dias desde que Katherine havia ido embora, abandonado sua cidade natal, o lugar onde nasceu e passou toda sua vida, bem como Mark, seu primeiro amor.

Não foi uma escolha fácil para ela, mas sentia que precisava fazer aquilo, que havia uma sombra crescendo em seu coração, uma escuridão maior do que qualquer coisa, e isso a assustava. Temia principalmente pela segurança daqueles que amava, que de alguma forma pudesse ameaçá-los ou machucá-los.

Escolheu a solidão, se isolar para que sua escuridão não encobrisse mais ninguém. Mas esta não fora uma decisão sem consequências, se sentia terrivelmente abandonada, sentia falta daqueles que amava, pensava em como eles estariam agora sem ela.

Seus pensamentos foram interrompidos por seu estomago e seus pés, tinha caminhado quase sem parar, e agora se sentia exausta, cansada, com fome e com frio.

Foi então que enquanto caminhava a margem da estrada um ônibus passou por ela, e em seguida parou um pouco mais a frente. Algumas pessoas começaram a descer e ir de encontro a ela.

Era um ônibus cheio de religiosos, pareciam estar indo para algum evento importante, para Katherine eram um bando de fanáticos que não sabiam pelo que dobravam seus joelhos e rezavam, não entendiam como a fé realmente funcionava. Mas neste momento ela precisava de ajuda, e eles poderiam ser uteis a ela.

Uma velha senhora de aparência bondosa e gentil chamada Layla, ela perguntou se Katherine estava perdida, ofereceu um pouco de chocolate quente e a convidou para seguir com eles.

Normalmente Katherine nunca aceitaria um convite tão estranho, mas tinha algo de diferente, as pessoas pareciam estar sobre algum tipo de controle, talvez algo mais do que apenas um bando de fanáticos em sua busca desesperada por Deus.

Eles falavam sobre um homem chamado Zeno, sobre os poderes que ele tinha, de como era capaz de realizar milagres, de mostrar as pessoas o caminho que as levaria ate Deus, o definiam como se fosse um anjo enviado especialmente por Ele, para guiar e ajudar as pessoas.

Curiosa a respeito disso Katherine decidiu seguir viagem com aquele grupo, de qualquer forma isto serviria pelo menos como distração para fazê-la esquecer dos pensamentos que atormentavam sua mente.

Depois de quase dois dias de viagem enfim chegaram ao local. Era um cenário belíssimo, uma bonita e imponente igreja, cercada por um grande jardim com lindas flores, e ao centro ficava uma frondosa árvore.

Katherine começou a se sentir estranha quando chegou lá, sentia uma grande paz, uma felicidade, olhando ao redor podia ver que as outras pessoas agiam do mesmo modo, era como se todos estivessem em transe.

Aquele jardim, a igreja, a sensação que o lugar emanava, era como se fosse uma descrição do paraíso. Katherine começou a levar aquilo tudo a serio, o mundo estava em preto e branco para ela, como se existisse alguma proteção contra demônios ali, algo para tornar invisível para eles.

Agora tinha certeza que precisava encontrar o homem chamado Zeno e descobrir o que realmente significava tudo aquilo, se ele era realmente um anjo, e se fosse se poderia ajudá-la. Pela primeira vez em muitos dias ela começava a pensar com mais clareza, como se sua parte sombria que estava se tornando cada vez mais forte e avançando sobre sua consciência tivesse começado a regredir.

Ela começou a sentir esperança, achar que todos os relatos que tinha ouvido durante a viagem podiam ser verdade, sobre todos os milagres que aquele homem realizará.

Sentindo-se atraída pelo jardim Katherine passou toda a manha lá, caminhando entre as flores, respirando aquele perfume que a acalmava e trazia paz.

Então, os sinos da igreja começaram a tocar, era a chamada para a missa que Zeno realizaria, em pouco tempo a igreja ficou completamente cheia, algumas pessoas ficaram ate do lado de fora por já não haver mais espaço, mas Katherine conseguiu um bom lugar, Layla havia guardado para ela.

Toda a agitação cessou quando Zeno subiu no altar, sua presença iluminava todo o lugar, Katherine realmente se sentia tentada a fazer como os demais e se prostrar no chão em adoração a ele, mas ela sentia que existia algo de errado.

Zeno começou então um discurso.

Irmãos e irmãs, nos dizem para temer e nos arrepender porque o dia do julgamento final esta próximo. Eu digo que não, o dia do julgamento já chegou, ele acontece todo dia. Todas as nossas ações e omissões são julgadas e avaliadas, é por elas que o nosso valor será medido. – disse Zeno

– Para mim este mundo já encontrou o seu ocaso, o fim do mundo não virá com chuva de fogo do céu ou com a ascensão do inferno, ele virá quando nos esquecermos do motivo pelo qual Ele nos criou e nos colocou juntos.

– Deus fez isso para que não ficássemos sozinhos, que cada um ajudasse seu irmão em sua hora mais sombria. Ao invés disso somos engolidos pelo egoísmo, ignoramos o choro e a súplica daquele que sofre, estamos ocupados demais com nossos próprios problemas.

– Este é o problema irmãos, nos isolamos uns dos outros, não dividimos nossas dores e esperanças, preferimos ficar sozinhos e nos preocupar apenas com o que nos atinge.

– Nos escondemos na escuridão e acendemos uma vela, mas a escuridão que cada um de nos carrega dentro de si é grande e profunda demais, uma vela não vai poder iluminar nosso caminho, estamos destinados a viver nas trevas.

– É disso que eu falo, meus filhos, da salvação, eu a ofereço a vocês, mostro como podem achá-la, como devem a buscar de todo o coração. A salvação esta em nos tornamos um.

Então as luzes da igreja se apagaram.

– A escuridão veio, ela caiu sobre o nosso mundo e nada a fará ir embora, se ficarmos sozinhos com nossas pequenas velas elas não afastarão a noite.

– Por isso temos que ficar juntos, vamos iluminar todo este mundo, vamos ser os faróis da esperança. Brilharemos tão forte que traremos ate nós todos os perdidos, todos os que estão sozinhos e cansados de caminhar.

– Acendam suas velas, iluminem o mundo.

Nos bancos onde as pessoas estavam sentadas estavam fixadas velas a frente, assim a medida que as luzes se apagaram e Zeno falava um a um as pessoas começaram a acender as velas.

O que no inicio eram apenas algumas pequenas luzes que mal se podia enxergar logo se tornou um verdadeiro sol, mesmo com as luzes apagadas a igreja tornará clara, cada uma das pequenas chamas se juntou e quando todas queimaram juntas dissiparam toda a escuridão.

Toda aquela cena causará um grande efeito nas pessoas, muitas estavam comovidas, chorando, até mesmo Katherine, que tentava manter-se cética, estava começando a sentir-se envolvida em tudo aquilo.

Era como se o ambiente lhe ajudasse a encontrar alguma paz, a enterrar tão fundo toda raiva, angústia, sentimentos ruins, ou seja, lá que coisa se escondia dentro dela. Talvez, ela começou a pensar, tivesse encontrado um paraíso, um lugar onde poderia repousar e encontrar o que estava procurando.

Quando as luzes foram acesas algumas pessoas se encaminhavam ate Zeno, pessoas doentes que com um toque dele ficavam curadas, as pessoas rezavam e faziam reverencias diante dele, como se de anjo cada vez mais começassem a achar que ele era na verdade um deus.

Mas algo fez Katherine despertar daquele estado de transe, um quase torpor. Desde que chegará lá sentia algo de estranho, sua visão estava distorcida, enxergando tudo em preto e branco. Foi então que começou a ver pontos de luz iluminando aquele mundo sombrio. Entretanto, não eram chamas de velas, mas sim almas humanas vagando por todo aquele lugar.

Como se uma grande força estivesse a atrair a força vital, a alma de todas aquelas pessoas, todos aqueles fieis estavam a ter sua vida roubada a cada instante que permaneciam naquele lugar e nem sequer se apercebiam disso.

Quanto mais se concentrava mais sua visão Katherine começou a discernir melhor para onde as luzes estavam indo, enquanto a maior parte saia da igreja, o restante se concentrava em um único ponto, estavam indo em direção a Zeno.

Além disso, ela começou a enxergar formas negras dentro daquele lugar, sombras que se destacavam dentro daquele mundo em preto e branco. Eram demônios que estavam possuindo algumas pessoas no local, para sua surpresa inclusive a doce senhora que estava do seu lado e a convidará para aquele lugar.

O próprio cenário começava a parecer diferente, ao invés de uma bonita e imponente catedral, agora aquilo mais parecia uma igreja abandonada, como se tudo que estivesse vendo antes fosse apenas uma poderosa ilusão.

Mas sua maior surpresa foi quando finalmente seus olhos encararam Zeno, aquele homem chamado de anjo, e adorado como um deus por todas aquelas pessoas na verdade estava sendo possuído por um demônio.