Após ver aquele reflexo Katherine gritou
e correu, não via nem ouvia nada, apenas passava pelas pessoas como se elas
fossem sombras. O primeiro impulso foi correr em direção ao bosque, mas logo lembrou-se
dele e mudou de ideia. Não havendo alternativa para ela terminou indo para
casa, pelo menos era sexta feira, poderia ficar apenas lá, sem precisar ir a
escola no dia seguinte.
Apressadamente entrou em casa, tentando
não ser notada, mas logo ouviu uma voz a chamá-la. Sabia que iria ser repreendida
e teria que ouvir as reclamações de sempre, mas hoje não, estava sem paciência
para aquilo. Na verdade estava a ponto de gritar e enlouquecer, se controlou e
conseguiu chegar até o quarto, trancou a porta, jogou-se na cama, e ficou a
refletir sobre tudo que havia acontecido durante o dia, sobre toda a sua vida.
Ficou olhando para o teto, sentia-se sem energia, tinha medo de fechar os
olhos.
Aquela imagem não saia da cabeça dela,
aquele monstro, aquele demônio, não ela sequer tinha coragem de pensar nisso.
Quem era aquele garoto, porque estava fazendo aquilo com ela, tantas perguntas,
tanto medo das respostas ...
Continuou daquela forma por um longo
tempo, da última vez que havia olhada para o relógio já eram três da manha. Terminou
se rendendo ao cansaço e dormiu por algumas horas, um sono sem sonhos.
Ao acordar viu o quarto bastante
bagunçado, coisas atiradas contra a parede, coisas quebradas. Não se lembrava
de ter feito aquilo, sentiu tontura, vertigem, algo dentro dela estava
diferente.
Enquanto arrumava o quarto e recolhia as
coisas caídas encontrou dentro da bolsa um estranho cartão. Era da nova
livraria que havia sido inaugurada no dia anterior, logo Katherine percebeu o
que aquilo significava.
Saiu de casa sem que ninguém a notasse.
Não caminhou muito tempo e chegou a livraria, o local não ficava muito
distante, era um prédio antigo, mas muito bonito, lhe chamou a atenção o nome
da livraria, Divina Comédia, pela janela do segundo andar ela pensou ter visto
alguém a observando. Ficou algum tempo parada em frente, receosa, agora que
estava ali não tinha mais tanta certeza se queria entrar, pensamentos de dúvida
corriam sua decisão, começou a recuar quando de repente dois clientes saíram de
lá, ao ver a porta abrir e lentamente se fechar teve a certeza e que devia
entrar agora ou não teria mais coragem de fazer aquilo. Respirou fundo e entrou.
Ao entrar a primeira pessoa que viu foi
um velhinho de aparência simpática, ele a olhou de uma forma estranha, um misto
de surpresa e medo, instintivamente ela soube que ele via nela a mesma coisa
que ela havia visto no espelho. O clima de tensão foi rompido pelo garoto, ele
descia as escadas de forma apressada.
Tudo
bem velho, ela esta comigo, disse o garoto.
Me
desculpe senhorita, não sabia que era amiga do meu neto, pode entrar, fique a
vontade, disse o velho, agora já com outra expressão no rosto, mais amistosa,
mas ainda tensa.
Ainda com dúvidas sobre se tinha feito a
escolha certa indo até lá, mas sabendo que agora não havia mais volta ela foi até
o garoto. Mark pediu para que ela o seguisse até o outro andar para que
pudessem conversar melhor, então subiram por uma estreita escada.
O outro andar era totalmente diferente
do primeiro, enquanto embaixo era limpo e organizado ali em cima era totalmente
bagunçado, pilhas de livros espalhados pelo chão, todos parecendo ser bem
velhos, por duas vezes ela tropeçou em livros, o lugar tinha uma atmosfera
densa e carregada, era difícil de respirar, claustrofóbico, não pode ser apenas
a poeira, ela pensou.
Diferente das outras vezes onde ele
tinha uma aparência mais relaxada e não parecia tão sério, agora ele estava
sério, após derrubar alguns livros que estavam sobre uma cadeira e pedir para
que ela se sentasse, ele logo começou a falar.
Fui
eu que coloquei o cartão da livraria na sua bolsa ontem, antes de você fugir
daquele jeito, (começou Mark, antecipando o que seria a primeira pergunta na
metne de Katherine) Eu sei que você tem muitas perguntas a fazer, bem, agora eu
responderei tudo que puder. Mark fitou o rosto
semi pálido de Katherine, que permanecia em silêncio. Duvidas se formavam em
sua cabeça mais rapidamente do que ela era capaz de formulá-las em perguntas). È difícil de acreditar, contraria toda a lógica, toda a racionalidade. Mas a
verdade é que no mundo existe muito mais além do que podemos ver, existem
coisas nas sombras (diz ele com uma expressão cada vez mais sómbria), se
existem também coisas na luz eu não sei, mas se existirem não se importam muito
conosco, estamos sozinhos, ele disse.
Demônios,
é disso que você esta falando, é isso que esta dentro de mim? – ela perguntou,
com uma voz tremula.
Sim,
o que eu fiz foi usar um selo para mostrar a você a face do demônio.
Mas
como isso aconteceu, por que comigo?
Geralmente
eles se aproveitam de feridas no coração, na alma, sentimentos ruins ou
negativos que cultivamos, eles sentem o cheiro disso, os atrai.
Você
sabe muito a respeito disso não é? Você é uma espécie de mago ou algo do tipo?
Pode tirar isso de dentro de mim?
Eu
não sei (quando disse isso ele baixou a cabeça e virou as
costas para ela e fitando uma pilha de livros no canto da sala), depende de muitas coisas, há quanto tempo
ele esta em você, o quanto ele já corrompeu sua alma, qual a força do demônio.
Existem tantos fatores, tantos riscos envolvidos.
Então
por que não deixá-lo aqui!(bradou Katherine, já caindo em desespero) Até você
aparecer eu nunca tinha tido problemas, se esse demônio esta mesmo dentro de
mim que fique, nunca me fez mal algum.
Não
é tão simples assim, sabe como demônios se divertem? Corrompendo almas
inocentes, eles aproveitam cada minuto, como se aos poucos ele fosse injetando
doses maiores de mau, envenenando seu coração. Aos poucos você vai perder o
controle, pesadelos, paranoia, vai se tornar uma marionete dentro do seu
próprio corpo.
Ambos ficaram em silêncio. Ele tinha
medo de encará-la, sentia-se impotente. Ela estava perdida em pensamentos,
queria chorar, gritar, uma parte dela queria desistir, apenas assistir a tudo,
ir embora esquecer tudo aquilo e esperar pelo fim.
A pequena e abafada sala se tornava cada
vez e mais opressiva. Mark então começou a falar, contando sobre o que tinha
acontecido no dia seguinte. Depois dela ir embora da sala de detenção gritando,
ele teve de explicar ao professor o espelho quebrado e tudo aquilo, como ele
teve que se explicar dizendo que estava apaixonado por ela. O professor pareceu
gostar daquilo e tudo virou uma conversa sobre hormônios, juventude e
primavera, ele tentou fazer piada sobre isso.
Nesse momento ela explodiu, ouvir isso
foi demais para Katherine que começou a gritar com ele, empurrá-lo, como ele
podia ser tão idiota, fazer piadas e brincadeiras em um momento como esse? Ele
apenas sorria, tinha conseguido o que queria, que ela acordasse, quisesse
lutar, continuar a viver.
Nesse momento o avô do garoto aparece,
ele parecia calmo e tranquilo, quando entrou eles se acalmaram, mandou o Mark
descer um pouco para ele poder conversar com ela, mesmo reclamando muito e não
querendo fazer isso aceitou.
Diferente da primeira vez que eles se
viram, agora ele não teve medo uma má impressão daquele senhor, que agora
parecia tão simpático e confiável. A voz dele, a calma que ele transmitia tudo
parecia ajudar a acalmá-la, ele se sentou em seguida pediu para que ela fizesse
o mesmo.
Desculpe
pelo meu neto, ele deve ter feito alguma piada idiota, não o leve tão a sério,
ele faz isso quando esta nervoso e não sabe o que fazer, é muito imaturo para
dizer o que realmente quer, disse o velho.
Ela percebeu o que ele havia tentado
fazer e sentiu-se um pouco culpada.
Eu
não vou dizer que sei como você se sente, eu não sei, ninguém sabe, mas você
deve confiar nele, ele é o único que pode ajudar-te. Isso aqui sempre foi
bagunçado (ele fala apontando para toda aquela
bagunça de livros espalhados), mas não
como esta agora. Desde que chegou ontem ele passou o tempo todo aqui, acho que
ele dormiu, estava tentando encontrar um jeito de te ajudar, disse o senhor.
Ela apenas concordou com a cabeça. O senhor
então levantou-se. Mas antes de sair ele falou para ela uma última coisa.
Meu
filho escolheu o nome desta livraria. Um dia quando eu perguntei a ele sobre o
porquê dele ter escolhido este nome ele me disse, achava que todos nós em algum
momento da vida caímos no inferno, mas este não é o fim, se nos mantivermos
firme, se seguirmos em frente, se nos lembrarmos das coisas boas e do que
realmente amamos, conseguiremos chegar ao paraíso, o senhor disse.
Você
realmente acredita nisso? ela perguntou.
O
senhor apenas sorriu e respondeu com uma citação. “A única forma de chegar ao
impossível é acreditar que é possível.” – Lewis Caroll
O velho desceu as escadas e em pouco
tempo o garoto subiu de novo. Ele ia pedir desculpas a ela, mas quando se
olharam nos olhos viram que aquilo era desnecessário. Haviam coisas mais
importantes a se fazer.
Ela perguntou se ele tinha alguma ideia
de como ajuda-la. Mark disse que tinha uma teoria, uma ideia, mas não sabia se
funcionaria. Acreditava que os demônios se aproveitavam e se escondiam em
feridas e no vazio do coração das pessoas, então se conseguisse atingir isso poderia
conseguir expulsar o demônio sem que ele causa-se danos à pessoa.
Eu
sei que deve ser difícil para você falar sobre isso, mas tem de contar se houve
algum trauma, alguma coisa que aconteceu e te marcou, você precisa enfrentar
isso, ele disse.
Tudo
bem, vamos ao cemitério, disse Katherine com uma voz lamuriosa.
O
que vamos fazer lá?
Visitar
meus pais.
Ele ficou surpreso com aquela resposta.
Mesmo tendo acabado de chegar a cidade já tinha ouvido falar sobre o cemitério.
Era conhecido como o lugar onde rosas nunca cresceram.
Gostei do capitulo, esse Mark e o avô parecem entendidos em ocultismo, o que irão fazer no cemitério? provavelmente buscar o passado negro para saber como combater o demónio.
ReplyDeletePS: Adorei a musica e a imagem ^^
Tô gostando... esperando o próximo!
ReplyDeleteSua fic é muito legal!
ReplyDeletegeral pirando no ocultismo!
Interessante. Gostei bastante do enredo.
ReplyDeleteMas o que realmente me chamou a atenção foi o fato de citar a Divina Comédia. Essa obra é espetacular!
Você está de parabéns, sua fic é boa!
Até a próxima!