Capítulo 118 - O propósito das lágrimas

Quando foi encontrado por Strauss, imediatamente Sachafer tentou afastá-lo, disse para ele ir embora ou poderia terminar sendo morto por acidente, mas o líder da Vama Marga se recusou a ir embora, e começou a conversar com aquele jovem tão perdido e assustado.

Não se preocupe criança, minha vida não será tomada tão facilmente, eu sou um Bem-Aventurado como você. – disse Strauss

– Se bem percebi você é provavelmente o humano mais poderoso que já encontrei, nunca tinha sentido antes uma alma tão poderosa, mas é exatamente isso que causa o efeito colateral que fez você se isolar neste deserto.

– Sua alma é tão poderosa que seu corpo não a suporta, naturalmente você morreria por não aguentar tanto poder, entretanto, de algum modo você conseguiu contornar isso, roubando a vida de outras pessoas consegue fortalecer seu corpo e fazê-lo lidar com a energia interna que possui.

– Se você acredita em destino criança, então acredite que há algo grande reservado para seu futuro, a forma como seu corpo se recusa a morrer e ate mesmo absorve as vidas ao seu redor para fazê-lo viver são a prova disso.

Nesse ponto Sachafer não aguentou mais ouvir aquilo, ele chorava e dizia que preferia morrer, pediu para que Strauss o matasse, ele não queria viver no mundo ao custo de sacrifícios, existindo por roubar a existência de outras pessoas.

Criança, eu entendo a sua dor, o dilema que você enfrenta seria muito grande para qualquer pessoa suportar. Contudo, nada disso é a toa, tudo existe de acordo com um propósito. – disse Strauss

– As lágrimas que você derramou aqui, elas molharam esta terra tão seca e árida, agora, é possível que uma planta nasça neste lugar, se você não tivesse sofrido, não tivesse fugido para cá esta planta nunca nasceria. Do mesmo modo, essa planta nascerá com um propósito, quem sabe um dia ela seja o alimento que salve da inanição um animal perdido.

– Se você tem fé garoto sei que acredita em um propósito maior para tudo, um grande plano. Como você sabe somos criaturas pequenas demais, temos apenas a nossa peça do quebra-cabeça, não sabemos qual é a imagem do todo, qual o grande desenho divino que será formado. Algumas vezes um caminho que queremos trilhar é fechado diante de nós para que descubramos uma nova estrada.

– A vida existe baseada em sacrifícios, um pai que se sacrifica trabalhando arduamente para trazer comida para sua família em casa. Um marido que vai para guerra para proteger seu lar. Nossas vidas existem porque alguém em algum ponto fez um sacrifício por elas, somos eternos devedores do passado, e o único modo de compensar isso é lutando pelo futuro.

As palavras de Strauss tocaram Sachafer profundamente, o garoto entendeu que, seu poder servia a um propósito, ele tinha nascido com aquilo, não podia mudar esse fato, mas poderia dar um sentido àquilo.

Se ele apenas morresse agora naquele deserto qual seria o sentido de tudo aquilo? As vidas que ele tomou se tornariam em nada, agora ainda mais ele precisava lutar e fazer algo bom com a habilidade que possuía.

Ele aceitou entrar na Vama Marga, mas para não tomar mais a vida de ninguém disse que preferia ficar no deserto, Strauss então o levou ate uma antiga instalação da Vama Marga, o lugar onde ele vive ate hoje, lá ele era foi treinado e aperfeiçoou sua força, ate que fosse nomeado como o Tigre Branco, aquele que representa a pureza, a coragem e a força, as virtudes de um guerreiro que sabe o que precisa proteger.

Sachafer pediu para ser treinado com o arco para não precisar se aproximar dos seus adversários durante a luta, quando mais ele evitasse um combate corpo-a-corpo menos energia teria que gastar, com todas as vidas que tinha tomado daquela pequena cidade Strauss disse que ele poderia viver por talvez trinta anos se não usasse sua energia, mas depois disso morreria se não voltasse a fazê-lo.

Então com muito custo Strauss o convence a tornar aquela antiga base em uma prisão, o líder da Vama Marga tenta ser pratico e explica que caso tivesse de lutar contra um adversário realmente poderoso Sachafer morreria por esgotar seu corpo rapidamente, desse modo ele precisaria roubar vidas.

Como ele era gentil demais para isso, a saída encontrada pelo líder da organização foi usar pessoas que já estavam condenadas a morte, criminosos e pessoas que tinham cometido crimes terríveis, eles seriam mortos de qualquer modo, mas se Sachafer usasse a vida deles pelo menos teria um propósito.  

Ele sente-se um criminoso pior do que eles, já roubou mais vidas do que qualquer um deles, mas se o propósito dele é proteger a humanidade ele precisa ser forte para cumpri-lo.

Depois de relembrar todas essas memórias Sachafer volta ao presente, ele esta cercado por dezenas de presos que estão prestes a atacá-lo, é nesse momento que ele fecha os olhos e inspira profundamente. Quando ele abre os olhos novamente todos os presos estão mortos.

Imediatamente ele sente todo o corpo tremer, uma energia que ele nunca havia sentido antes, como se estivesse havendo uma explosão dentro dele, como se houvesse tanto poder que ele precisava liberá-lo ou não suportaria.

Logo Dagiel surge atrás dele, a anjo o tinha seguido ate o subsolo achando que ele estava tentando fugir, antes que ela pudesse dizer qualquer coisa é acertada por um soco que a atira para cima, quebrando as paredes da construção ate fazê-la sair novamente no deserto.

Antes que ela se recuperasse Sachafer já esta ao lado dela desferindo mais ataques, cada golpe faz Dagiel cuspir sangue e causa bastante dano. Ela aumenta o tamanho das laminas que possui no braço de modo a atacá-lo e fazê-lo se afastar por um momento.

Ela esta ofegante e um pouco tonta, os ataques do humano tinham uma força absurda, eram comparáveis ao de um anjo, isso a fazia lembrar-se de coisas dolorosas, coisas que ele tinha marcado no corpo para nunca esquecer.

Cada cicatriz em seu corpo tinha sido feita por ela mesma, uma marca para cada anjo morto, se o corpo sofresse aquela dor ele nunca seria esquecida, ela sentia remorso por não sentir com o coração, por isso dilacerava a própria carne.

As foices em seus braços cresciam e tornavam-se escarlate, ela as envolvia com sua energia espiritual, não sucumbiria tão fácil diante de um simples humano.

Dagiel iniciou seu ataque, seus socos tinham um alcance maior pelas laminas, Sachafer tentou segurá-las com as mãos, mas logo soltou, se tivesse segurado por mais tempo teria tido as mãos decepadas.

A velocidade deles se equivalia ate certo ponto, então mesmo com dificuldade ele conseguia desviar dos ataques das laminas, mas de repente foi surpreendido por um chute, no calcanhar ela também possuía um adorno, que se expandiu tornando-se numa nova foice, o golpe surpresa acabou acertando-o em cheio, provocando um grande corte no peito dele, fazendo-o sangrar abundantemente.

Ele leva a mão ao peito e sente seu sangue fluindo, embora tivesse sido treinado por Strauss, era a primeira vez que ele lutava daquela forma, que percebia que sua vida poderia acabar a qualquer momento durante aquela batalha. Ele não poderia morrer daquela forma, sem ter feito nada, do que teria servido toda sua vida? Todas as existências que ele apagou se caísse sem fazer nada.

O corpo dele começou a emitir uma forte luz, era como se a anjo estivesse diante de dezenas de almas, era uma força muito poderosa. Sachafer então passa a mão sobre o peito e faz o ferimento se curar. Dagiel não se intimida com aquilo e o ataca novamente, mas desta vez as mãos dele conseguem segurar a lâmina, em seguida quebrando-a.

O que é você? Não pode existir um humano tão poderoso! – vociferava Dagiel

Não o subestime Dagiel, ele é mais poderoso do que você. É melhor lutarmos juntas. – disse Puriel

Contrariada Dagiel se recusava a usar ajuda, não podia aceitar que um humano fosse mais poderoso que um anjo.

Mas Sachafer não era humano normal, a existência dele era algo além da compreensão dela, os Bem-Aventurados são pessoas que nascem com uma capacidade especial que os permite usar o fragmento do poder divino que reside em cada alma. Por mais que seja apenas uma parte muito pequena de um todo, ainda assim o corpo humano é frágil demais para suportar Ele, de modo que o corpo se limita para não destruir a pessoa.

Como uma pessoa que desmaia de exaustão depois de fazer exercícios demais, aquilo é um mecanismo que o organismo usa para proteger a pessoa, o corpo de Sachafer não tinha isso, ele podia acessar a cem por cento de sua força o tempo todo, algo que desgastava e aos poucos matava-o.

Por nunca ter lutado ele não sabia como controlar aquilo, mas aos poucos, a cada instante que a luta com Dagiel se prolongava ele ficava mais poderoso ao demonstrar maior domínio de suas habilidades. Puriel percebeu isso, e logo tomou sua decisão, atacando por trás ela matou Dagiel, atravessando seu peito com um raio de energia.

Não parece surpreso com o que eu fiz. – diz Puriel

Nela eu podia sentir o ódio, mas também havia muito remorso e sofrimento, ela era apenas alguém perdido. Em você eu sinto o gosto pela morte. – disse Sachafer

– Então por isso foi tão gentil com ela? Porque ela se arrependia dos anjos que matou. Diga-me, no fim qual a diferença? Ambas matamos vários anjos, ela carregar culpa ate hoje a torna melhor que eu? É isso que você repete para si mesmo?

Pela primeira vez Sachafer começou a ofensiva atacando-a, isso porque ele não tinha resposta para os questionamentos dela.