Capítulo 110 - A morte de um sonho

Icelo caminha para dentro do espelho e desaparece, de dentro dos espelhos ecoa a risada dele, Ramiel sente-se humilhado, ele esta furioso por ter sido enganado dessa forma, por um momento ele acreditou ter destruído a vontade do seu adversário, mas estava apenas sendo manipulado.

Todos os espelhos começam a refletir a imagem de Icelo, atordoado com aquilo Ramiel ataca todos eles com sua energia, mas seus golpes apenas se chocam contra os espelhos e são atirados de volta contra ele.

Enquanto ele tenta se defender de seus próprios ataques Icelo deixa o espelho e o ataca pelas costas, novamente entrando no espelho antes que pudesse ser atacado. Ramiel esta furioso, mas ele sabe que precisa se acalmar, se permitir que sua mente seja tomada pela raiva ele perderá.

Ele tenta se acalmar e pensar, refração da luz, os reflexos nos espelhos, isso depende da luz, então para inutilizar aquilo ele precisava trazer as trevas àquele lugar, atacando aquele falso céu que cobria o lugar ele o destruiu, com a escuridão que se seguiu ele pode ouvir os espelhos se estilhaçando e Icelo saindo. Agora estavam em uma completa escuridão, apenas podiam ouvir a voz um do outro.

Esse cenário sem graça não era o que eu esperava, essa escuridão não é divertida. – disse Icelo

Não se preocupe, não vai durar muito, tenho minhas próprias ideias para modificar este lugar. – disse Ramiel

O cenário negro logo é preenchido, pouco a pouco se transforma em um lindo campo de flores, e nesse jardim aparece Euridice, a amada de Icelo. Ramiel possuía a habilidade de usar as mais preciosas lembranças de cada um como arma, era assim que ele trazia o desespero aos corações.

Como você sabia sobre isso? – diz Icelo perturbado

Por mais que tenha barreiras em seu coração para proteger suas lembranças, durante a batalha você se descuidou, estava tão concentrado em mim que pude adentrar sua mente e ver o que havia lá dentro. – diz Ramiel arrogantemente

Icelo sabia bem o que aquilo significava, pois ele mesmo já havia usado uma técnica como aquela antes, a imagem a sua frente era algo extraído diretamente do seu coração, se ele a atacasse estaria destruindo as lembranças que possui, se ele fizesse isso perderia para sempre todas as lembranças que já teve sobre Eurídice.

Como um titereiro ele manipulava aquela imagem de Eurídice para confrontar Icelo, aquele campo era exatamente como o lugar com o qual ela sonhava e onde o demônio dos sonhos tinha a conhecido.

Existe um conceito que normalmente uso com os humanos, mas acho que especialmente posso adaptá-lo para você. Nós anjos supostamente temos um destino já predeterminado, nos existimos para um fim, quando Ele nos criou cada um teve um propósito determinado. – disse Ramiel

– De certa forma era uma prisão aquilo que tínhamos, quando Ele morreu muitos se sentiram perdidos, tentados a seguir Lúcifer ou Miguel porque não sabiam viver sem grilhões sobre o pescoço, mas você não era assim, eu também não.

– Nós fomos os visionários, aqueles que viram que não existir Deus significa que somos livres para fazer qualquer coisa, como diriam os humanos faz o que tu queres, pois é tudo da lei.

– Enquanto os humanos ate certo ponto eram livres, ter parte da alma do criador dentro deles lhes dava o livre arbítrio, o poder de mudar seu próprio destino, mas algumas vezes apenas a vontade da pessoa não é o suficiente, às vezes se precisa de outra pessoa, para que juntas consigam mudar um destino.

– Eu falo daqueles encontros casuais, os pequenos eventos e as pessoas que mudam a vida das pessoas, é isso que eu tomo das pessoas. Eu tiro delas o que as tornou em algo melhor e mostro o que elas seriam sem isso, é o que vou fazer com você Icelo.

Naquele cenário onde Icelo tinha as melhores memórias de sua vida, o lugar mais precioso para ele era agora conspurcado por Ramiel, controlando uma versão de Eurídice ele atacava-o.

A cada ataque o cenário mudava, aos poucos o lindo campo era queimado, Icelo via uma versão onde ele torturava e matava Eurídice para se divertir, como tantas vezes antes ele havia feito com outras pessoas, ao ver o que teria feito com ela pela primeira vez ele sente pesar por suas ações, sente como se fosse um monstro.

As ações dele no passado, quem ele era, tudo isso agora voltava como uma onda o atingindo, ele era uma besta, uma fera que não merecia aquela felicidade, um animal com garras incapaz de tocar em alguma coisa sem a ferir.

Todo o mundo de Icelo, tudo pelo que ele lutou por tanto tempo parecia agora perdido, apenas uma ilusão, um sonho que acabaria quando ele despertasse. Todas as almas que ele coletou, tudo que fez para poder reaver a alma de sua amada, mas no fim ele a deixou para vir lutar.

Talvez ele apenas estivesse apaixonado pela imagem, pela figura de um amor, algo platônico, alguma coisa que o pudesse tornar em algo melhor do que ele era. E se no fundo ele fosse apenas um grande mentiroso, perdido em meio a tantas mentiras e tentando encontrar algo de bom para acreditar.

Amor é algo que falta, uma necessidade, algo que tentamos preencher dentro de nós, quando encontramos uma pessoa que supre essa necessidade nos dizemos apaixonados, mas quem sabe seja apenas uma forma de dourar a pílula, de embelezar um sentimento egoísta.

Ramiel fazia Icelo pensar que o que sentia por Eurídice era apenas uma ilusão, algo que ele criou para se distrair e com o tempo enganou a si mesmo para acreditar que era real, mas nunca houve amor, ele é um ser incapaz desse tipo de sentimento. Assim como foi ela poderia ter sido qualquer outra ou outro que tivesse demonstrado gentileza e sorrido ao invés de demonstrar medo.

O demônio dos sonhos melhor do que qualquer um sabia, quando os sonhos se vão e não colocamos nada no seu lugar nos tornamos vazios. Será que era isso que Eurídice era, algo para preencher um vazio, uma simples peça que podia ser substituída sem que nada se perdesse?

Icelo poderia testar isso se atacasse a imagem projetada por Ramiel diante dele, mas ele temia saber a resposta desta pergunta, se os pensamentos que o anjo tentava induzir na sua mente fossem a verdade, então todo esse tempo ele havia se enganado, criado uma ilusão tão forte que trapaceou a ele mesmo.

Então Icelo, finalmente o dobrei? Será que finalmente seu coração foi destruído? Perdeu toda a esperança, esta de joelhos diante do desespero? – questionava Ramiel enquanto ria

– Se você atacar ou se você se recusar a lutar, de qualquer modo a vitória é minha, é o que se chama uma derrota completa.

 – Eu Ramiel, eu venci o grande Icelo!

Ele ficou um pouco irritado por não obter resposta de Icelo, queria alguém grito, súplica, queria uma prova de que ele estava quebrado.

Euridice vai em direção a Icelo para aplicar-lhe o golpe final, mas antes de ser atingido ele se esquiva, em seguida segura seu punho e a puxa para junto dele abraçando-a de modo terno. Um abraço apaixonado, enquanto ele sussurra para ela.

Você encheu meu coração vazio de sonhos, você encheu de luz o meu mundo. Não importa o que aconteça agora, encontramos um ao outro de novo, é tudo que importa, vamos ficar bem no final. – disse Icelo

O demônio dos sonhos então atravessou o peito de Eurídice com seu punho, ele segurou o coração dela entre as mãos e o apertou gentilmente, pressionando-o ate que ele parasse de bater. Ele olhava para o rosto dela e via enquanto seus olhos se apagavam e a luz os deixava. 

Ao mesmo tempo, como um filme sendo exibido de trás para frente, ele via todas as memórias, todos os momentos que tinha tido com ela sendo apagados da sua mente, lágrimas corriam pelo rosto dele. Enquanto ele a apertava contra seu peito e a sentia evanescendo, ate desaparecer.

Durante alguns instantes ele permanece no chão, de joelhos lamentando o que havia morrido dentro dele, mas em seguida ele começa a rir de maneira descontrolada, ele arranha seus braços e rasga sua camisa enquanto faz isso, em seguida ele encara Ramiel.

Engraçado, achei que você fosse o inteligente, o grande estrategista, mas afinal não parece ser o caso. – disse Icelo

– Você matou uma parte de mim, minha consciência esta em pedaços, talvez seu plano tivesse funcionado contra qualquer outro, mas não contra mim, nunca contra mim, eu não quebro, eu sou aquele que suportou ler o Livro da Vida.

– O que você fez Ramiel foi apenas destruir tudo de bom, toda luz que existia dentro de mim, mas eu sou um monstro, sempre fui, eu sei como viver nas trevas, por mais que tentasse ser bom, a verdade é que sempre fui melhor como vilão.

– Se você é tão esperto Ramiel, responda-me, se não existe mais nada de bom em mim, então diga-me o que eu sou agora?

Sem saber a razão Ramiel começa a caminhar para trás, seu corpo se move sozinho, ele estava dominado pelo sentimento que tantas vezes antes havia infligido a outros, o desespero.