Capítulo 108 - A força para parar as lágrimas

Eu sempre imaginei que você seria meu adversário um dia, alguém incapaz de abandonar suas tolas crenças, de seguir em frente. Sempre uma criança presa em um mundo de fantasia que só existe dentro da sua cabeça. – disse Ramiel

Você esta correto no resultado, mas parte de premissas erradas. Não é esperança aquilo no que me agarro, eu a perdi há muito tempo, desde que o Livro da Vida, ao ler aquelas paginas fui tomado pelo desespero. Um vislumbre do futuro é o suficiente para apagar qualquer traço de esperança. – disse Icelo

– Então se não tem esperança o que lhe resta como motivação para lutar?

– Sonhos, eles estão além de qualquer limite imposto pela realidade, eles são maiores que a esperança.

Icelo preferia aquelas palavras pensando em sua amada Eurídice, em quanto tempo ele teve de esperar ate poder reencontrá-la, que durante eras ela parecia inalcançável, mas ele nunca deixou de sonhar com ela. Um fé inabalável que poderia criar um mundo onde eles ficariam juntos, tinha sido que o moveu por tanto tempo. 

E agora uma motivação que muitos pensariam ser tola, ele queria que sua amada o visse como um herói, ele não queria mais ser o ardiloso demônio dos sonhos que enganava pessoas para roubar suas almas, mas algo diferente, algo melhor, algo que permitisse a ele a encarar sem vergonha.

Icelo começa a concentrar sua energia, a força que emana de seu corpo faz todo o templo tremer e pode ser sentida em todo o paraíso. Ele junta suas mãos e parece meditar criando uma pequena esfera negra, conforme ele aumenta seu nível de introspecção mais ela se expande, ate engolir todo o tempo.

Essa é uma dimensão criada a partir do meu poder, eu usei metade da minha força para criá-la e ao entrar nela metade da sua força também foi tomada. O lugar onde estamos agora existe num vácuo entre o espaço e o tempo, isso quer dizer que me mesmo que me mate não poderá sair daqui, a menos que me vença. Nós vamos jogar um jogo, e apenas o vencedor poderá sair daqui. O perdedor será engolido pelo vácuo e deixará de existir. – disse Icelo

Acha que pode me intimidar com suas ameaças infantis, se quer jogar eu não me importo, poder, destreza, inteligência, estratégia, em tudo eu sou superior a você, seja força bruta ou capacidades cognitivas. Eu aceito os seus termos. – disse Ramiel

Em seguida Icelo passou a explicar as regras, aquele mundo era baseado na lógica dos sonhos, em tese você poderia fazer qualquer coisa, mas isso dependeria da sua própria crença e da sua capacidade de fazer o adversário também acreditar naquilo. Como se fosse um blefe no poker. 

Com um movimento de mão Icelo transformou aquele espaço ate então vazio em um bonito campo florido, ele então começa a levitar, em seguida ele anuncia seu maior truque, diz que vai apagar o sol com um simples estralar de dedos.

Ele começa a estrelá-los, e o faz seguidamente mostrando certa impaciência, mas nada acontece, o sol que havia se formado naquele lugar permanecia inalterado.  

Já entendi, chega de demonstrações de vulgares. Você conseguiu voar porque eu sei que é um anjo, então imagino que isso seja possível, mas apagar o sol com um simples movimento, eu sei que isso vai além do seu poder. – disse Ramiel

– No fim as regras desse lugar se resumem a ser capaz de realizar qualquer coisa, mas desde que tu consigas convencer o outro de que isso é possível, interessante. Vamos ao jogo.

Paralelamente, no templo da fé se desenrolava a batalha entre Kali e Dantalion.

O cavaleiro da Fome provocava-a, esperava por outro ataque descuidado para que pudesse a atacar e sugar o restante de sua energia, ela sabia que precisava ser mais cautelosa agora.

Para testar uma teoria ela disparou algumas esferas de energia contra ele, que se defendeu segurando os ataques com a palma da mão, e absorvendo o poder. Desse modo mostrava-se impossível o combate de longa distância, para acertá-lo ela precisaria de uma luta de contato, mas esse era justamente o tipo de combate em que ele teria mais vantagem.

O sorriso irônico e debochado dele a irritava cada vez mais, ver o desprezo com que ele olhava para ela, a considerando indigna daquele poder, de estar lutando na batalha final. Kali iria terminar aquilo de qualquer modo, ela ataca uma das colunas do templo, arrancando-a e a usando para atingir seu adversário, ainda usando a força que havia roubado dela ele destrui toda a coluna com um único golpe. Mas isso era o que ela esperava.

Enquanto toda a poeira e fragmentos de pedra voam pelo ar ela se aproveita para atingi-lo com um chute pelas costas, ele não demonstra ter sentido o golpe, apenas ri da fútil tentativa dela de usar essa estratégia.

A verdade é que você não pode me vencer enquanto sentir medo de mim, no inicio você estava arrogante, contando com a força que ganhou de Lúcifer, mas você nunca será como ele, é desperdício deixar tanto poder com uma criança tola, então eu vou tomá-lo para mim. Com tanto poder eu poderei ate mesmo desafiar Miguel. – disse Dantalion

Tem razão, talvez eu estivesse com medo de falhar, a última luta contra Haziel mexeu comigo de alguma forma, ele reviveu partes de mim que eu achei que não existissem mais, isso encheu meu coração de duvidas. Mas para encontrar a minha resposta não posso perder aqui. – disse Kali

No passado, a pessoa que um dia ela foi choraria, parte dela queria chamar por Mark, pedir a ajuda, mas era a fraqueza que ela tentava enfrentar, o que ela não queria mais ser, seus olhos estavam marejados, mas ela tinha decido, não iria chorar, iria lutar. Determinada ela avança em direção a ele, sem estratégias ou subterfúgios, ela daria o que ele queria, uma batalha direta.

Socos e chutes se cruzam quase acertando o oponente, cada golpe tem força para nocauteá-lo, mesmo assim ele não se intimida, ela sabe que ele aguarda apenas uma oportunidade para segurá-la e drenar sua energia. Mas ela estava pronta para isso.

Finalmente o momento aparece, ela tenta acertá-lo com um golpe e ele responde segurando o punho dela e roubando a energia, assim como ela esperava, mas dessa vez ela não estava assustava, e principalmente não recuaria ou tentaria fugir.

Enquanto tem sua energia sugada ela começa a dar vários golpes no corpo de Dantalion, cada soco faz ele se curvar e cuspir sangue, ate que ele abaixa a cabeça e recebe um chute no queixo que o atira contra a parede.

O que você esta fazendo? Esta louca? – disse Dantalion

Você tem grandes habilidades defensivas, é muito dificil te acertar, então o único momento para te acertar com certeza é quando esta próximo a mim. É a minha estratégia, roube a energia que quiser, mas vai ter de levar meus ataques também, é um desafio, vamos ver o que termina primeiro, meu poder ou a sua vida. – disse Kali

– Não tente parecer confiante, não fique arrogante por ter acertado apenas alguns golpes sua garota idiota. Não importa o que esteja tentando provar, posso ver sua respiração ofegante e cada vez mais pesada, seus olhos perdendo o brilho, você esta chegando ao limite.

– Se tem tanta certeza disso devia me atacar e terminar logo esta luta.

Embora Kali não tivesse tanta experiência em combate quanto Dantalion, ela aprendia rápido, e existia uma regra que quase sempre é valida, cada um escolhe seu modo de lutar de acordo com sua personalidade e suas características naturais, não se pode fugir do que se é.

A forma como Dantalion lutava, o modo arrogante com que ele falava, tudo isso foi dando a Kali informações preciosas no decorrer da batalha. Ele é alguém vazio que precisa roubar das pessoas para se sentir completo, ele normalmente se afasta delas, não consegue as encarar de frente, só se aproxima quando surge o momento de tomar delas o que ele deseja. Ele era um parasita covarde.

Era confiando nessa percepção do seu adversário que tinha aprendido durante a luta que ela decidiu que lutaria daquele modo, de fato, se Dantalion tomasse a frente e a atacasse nesse momento ela ficaria em grande desvantagem, mas ela sabia que ele não faria.

Afinal mesmo com a habilidade de roubar energia ele nunca tinha tentando isso contra Lúcifer, a razão para isso era que ele o temia, ele era um grande covarde que só atacaria se tivesse a certeza que poderia sair vencedor.

A chave para vencê-lo estava em fazê-lo sentir medo, em pressioná-lo o suficiente para fazer com que ele a visse como uma ameaça real.

Mesmo cansada ela avança contra Dantalion, os golpes são bem mais fracos do que os que ela dava no inicio da batalha, mas ela compensa isso levantando a sua voz, rugindo como uma leoa, não existia qualquer hesitação ou medo por trás de cada ataque.

Dantalion teve duas chances de atingi-la para tentar novamente roubar sua energia, mas ele não conseguia, ela começa a exercer uma pressão muito forte, ele se via diminuindo diante dela que crescia como um gigante.

Ele não entendia, ela devia estar cada vez mais fraca, mais quanto mais cansada e fraca mais ela se fortalecia, a confusão mental e o stress causado por essa indecisão o fizeram atacar descuidadamente, ele tentou segurar o punho dela, mas ela anteviu o que ele faria, e com a outra mão como se fosse uma lamina, ela fez um único movimento e cortou a mão direita dele.

O poderoso membro da guarda real de Lúcifer caia no chão gritando, enquanto seu sangue escorria abundantemente, ele se contorcia no chão amaldiçoando Kali. A luta estava decidida.

Conforme ela caminhava ate ele, ele se recusava a olhar para ela, ele estava assustado, ela emitia uma aura como a que ele sentia em Lúcifer, a compreensão que aquela era uma existência em um nível completamente diferente dele, que ele era um verme tentando atacar um elefante.

O corpo de Kali brilha fortemente, era como se ela roubasse toda a luz daquele lugar, uma escuridão cobre Dantalion, ele perde os sentidos e não consegue sequer saber se esta vivo ou morto, no momento seguinte toda a luz que ela havia absorvido é expelida pelo seu corpo, criando um clarão que ilumina toda o templo, sendo visto por todo o paraíso, e transformando o corpo do cavaleiro da Fome em nada mais do que cinzas.